Com apenas duas horas de caminhada, mata adentro na Terra Indígena Araribóia, município de Arame (MA), a comissão composta por integrantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) avistou a primeira clareira de devastação da floresta deixada pelos madeireiros.
Dali por diante foram mais quatro horas de provas da ação ilegal dos invasores da terra indígena até o desfecho no local que há uma semana é o centro de intensa repercussão nacional e internacional: o acampamento destruído do povo Awá-Guajá em situação de isolamento, dentro de uma grande clareira com cerca de 40 toras derrubadas de árvores.
“Tratores de madeireiros passaram por cima do acampamento Awá, destruindo tudo. Pelas marcas podemos dizer que era um grande veículo”, diz Rosimeire Diniz, missionária do Cimi que esteve no local. O grupo organizará um relatório com todas provas coletadas e entregará ao Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF).
A comissão partiu da aldeia Vargem Limpa, na manhã desta quinta-feira; mesma comunidade visitada pelos técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Imperatriz (MA) depois das denúncias terem ganhado repercussão na semana passada – no entanto, os servidores do órgão não foram ao local do ataque, como é claro no relatório apresentado e rechaçado pelo escritório da Funai de Brasília, que apontou a necessidade de mais investigações.
Vestígios do ataque
O indígena Clovis Tenetehara conduziu a comissão para as profundezas da terra indígena. No caminho, ele se emocionou ao ver a área tradicional de caça devastada pelos madeireiros. Da mesma forma, salientou que ele e sua família corriam riscos, pois estavam ameaçados. Clovis era quem mais tinha contato com os Awá isolados, hoje dispersos pelo território fugidos da violência.
“Encontramos todos os indícios de que os Awá-Guajá estavam no local da denúncia. Identificamos quatro vestígios de fogueira e pela experiência que tenho com este povo posso dizer que se tratam de quatro famílias”, afirma Rosimeire.
A missionária explica que além dos foguinhos, Clovis indicou como estavam dispostos os tapiris (moradias Awá), embiras para confecção de rede estavam espalhadas, além de suporte de madeira para a retirada de mel em árvores mais altas e vários buracos nelas feitos com machadinhas de pedra. Rosimeire aponta que os vestígios deixados pelos Awá estão por todos os lugares.
“Conforme Clovis relata, eles deviam estar no acampamento há uns dois meses quando foram atacados, em outubro do ano passado. Não foram mais vistos desde o ataque. Creio que devemos esperar até o verão, quando eles se deslocam mais na área atrás de mel e caça”, explica Rosimeire que durante quatro anos manteve trabalho junto aos Awá.
A missionária frisa que saiu da mata com a certeza de que algo muito sério aconteceu. Sobre a criança que teria sido carbonizada, Rosimeire diz não duvidar – mesmo porque depois de mais de dois meses os assassinos poderiam ter dado sumiço no corpo. Rechaça que sejam boatos.
“Interessa a quem levantar um boato desses? O Clovis está muito amedrontado. O fato é que os madeireiros chegaram ao acampamento e o destruíram. Os Awá fugiram com medo”, encerra.
Semanas antes do ataque, Clovis encontrou uma família Awá isolada. Tentou falar na língua, mas o homem só o olhava. Outros cinco indivíduos estavam mais ao lado e outro homem, caçador, carregava uma cotia abatida amarrada ao corpo. Nunca mais Clovis os viu.
Criminalização
Luís Antônio Câmara Pedrosa é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA. Ele relata que a comissão encontrou os indígenas desconfiados e apavorados, além da comprovação de todas as falhas do relatório feito pelos servidores da Funai sobre as denúncias.
“Imagina que Clovis convive com madeireiros circulando livremente dentro da área e ainda por cima o relatório feito pelos técnicos da Funai o cita como receptador de maconha. O entendimento dos madeireiros e de indígenas cooptados é de que as denúncias dele impediram a retirada das toras da área”, relata Pedrosa.
O advogado ressalta que em alguns trechos da caminhada, Clovis se emocionou ao lembrar das caçadas, interrompidas pelas ameaças. Dessa forma, como ele poderia sustentar a denúncia? Conforme Pedrosa, o indígena disse que os madeireiros impedem sua família de ir para aquela região da terra indígena – rasgada por veredas e estradas por onde caminhões escoam toda a madeira roubada.
“Clovis e sua família defendem a floresta. Muito estranho o relatório da Funai criminalizá-lo. Não se sabe o que os técnicos falaram para ele, que conversa foi feita”, diz Pedrosa. Para o integrante da OAB é de se questionar também porque os servidores da Funai não deram ordem de prisão ao motorista do caminhão madeireiro, de acordo com o apresentado no relatório do órgão, posto que foi pego em flagrante cometendo um crime federal.
É enfático: “Os madeireiros trabalharam diuturnamente de outubro até a denúncia estourar. Se a Funai fosse ao local teria prendido várias pessoas, mas não foi. Para completar, os técnicos mentem no relatório quando dão a entender que foram ao local dos fatos denunciados, mas não foram”.
Atentado aos Direitos Humanos
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garante, entre outros direitos, a proteção aos territórios ocupados por indígenas. O Brasil é signatário da carta.
“Então o que temos ali na Terra Indígena Araribóia é a violação de um pacto internacional. Não é a primeira vez que denunciamos as violações ali”, ataca Igor Martins Coelho Almeida, assessor jurídico da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), integrante da comissão.
Ele aponta que o território é assolado por um contexto de violações sistemáticas, mas as fiscalizações são pontuais. Os madeireiros agem às vistas do estado e não há nenhuma repressão. A comissão pedirá em seu relatório medidas concretas de proteção. Almeida salienta que se houver morosidade ou condescendência dos agentes estatais, o caminho será a denúncia internacional.
Fonte: CIMI
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