quarta-feira, 13 de julho de 2011

CARTA DO NEAB A NATALINO SALGADO SOBRE O CASO DE RACISMO NA UFMA

Ao
Prof. Dr. Natalino Salgado Filho
Magnífico Reitor da UFMA 

Magnífico Reitor,

O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFMA vem, por meio desta, solicitar providências dessa Administração Superior, frente aos lamentáveis ocorridos ao longo deste primeiro período letivo 2011, na sala de aulas do curso de Engenharia Química, na disciplina Cálculo Vetorial, no Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (CCET) da UFMA, envolvendo o docente José Cloves Saraiva e o aluno nigeriano Nuhu Ayuba.
Através de denúncias dos alunos inscritos na referida disciplina, tomamos conhecimento de que Nuhu Ayuba foi insultado, discriminado e submetido a constrangimento público, pelas atitudes racistas desencadeadas pelo professor José Cloves Saraiva. Devido à repercussão que o caso tomou entre a comunidade acadêmica nacional, supomos que tais fatos sejam do conhecimento de Vossa Magnificência, necessitando, portanto, as providências cabíveis, segundo a legislação que rege o Serviço Público Federal.
Consideramos inaceitáveis, quaisquer atitudes racistas, xenofóbicas vindas de qualquer docente, discente ou técnico-administrativo de uma Instituição Pública Federal de Ensino, em um país construído sob a pluralidade etnicorracial, onde apesar dos esforços de diversos cidadãos e cidadãos negros (as) ou não, comprometidos (as) com o anti racismo e com o respeito aos direitos humanos, as marcas da escravidão ainda se fazem presentes, sendo acionadas ainda em diversos setores da nossa sociedade a nos desqualificar por nossas origens africanas.
Incompreensível ainda admiti-las, no interior de uma Instituição Federal de Ensino que mantém um sistema de cotas raciais, juntamente ao ENEM, por decisão de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE).
O racismo explicitado pelo Prof. José Cloves Saraiva contra um estudante nigeriano, além de ferir a dignidade dos profissionais e estudantes negros da UFMA, aponta para o desconhecimento dos acordos estabelecidos entre o Ministério da Educação do Brasil (MEC), e o Mistério da Educação da Nigéria, ambos construtores do processo bilateral de colaboração mútua que instrui o acesso de estudantes africanos nos cursos de graduação dessa instituição. (Programas de Estudantes – Convênio de Graduação [PEC-G]).
Aponta também, para a curta visão dos fatos sociais apresentados no Brasil recentemente, nos quais a sociedade organizada encontra-se no interior do processo de discussão da implementação de políticas públicas que venham desencadear a inclusão de negros e negras nos diversos setores produtivos do país. O sistema de cotas ou o sistema de ações afirmativas são considerados, prioritariamente, como políticas públicas.
Cabe frisar também que o desconhecimento cultural do docente em destaque é evidente nas chacotas e tentativas de ridicularização do nome de Nuhu Ayuba, este de descendência haussá (idioma de grande popularidade na Nigéria).  
A ignorância em relação à polifonia cultural dos países africanos com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas ou de cooperação, o fez enveredar pela sordidez do racismo, atitude condenado por boa parte da sociedade brasileira. A construção de um país democrático não coaduna com práticas xenofóbicas entre seus cidadãos e cidadãs.
O comportamento assumido pelo Prof. José Cloves Saraiva está em desacordo com o art. 116 da Lei nº 8112/90 que regulamenta o regime jurídico dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações públicas federais, conforme segue abaixo:
I – exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II – ser leal às instituições que servir;
III – observar as normas legais e regulamentares;
IV – manter conduta compatível com a moralidade administrativa;
V – tratar com urbanidade as pessoas.
As atitudes deste professor enquadram-se na conceituação da mesma lei, art. 132, IV que trata da pena de demissão por prática de improbidade administrativa, conceito que tem sua abrangência aos atos violadores dos princípios da administração pública, cujo conteúdo “abarca a vedação constitucional de discriminação por parte de agente público
Estranhamente, as atitudes racistas desferidas contra Nuhu Ayuba na sala da disciplina cálculo vetorial aconteceram durante o processo de validação do sistema de cotas para o ENEM/SISu 2011, segundo semestre. Enquanto a Comissão de Validação do sistema de cotas da UFMA, nomeada por Vossa Senhoria, desenvolvia os trabalhos de análise dos candidatos inscritos em mais uma edição, as ações racistas eram desencadeadas pelo Prof. José Cloves Saraiva contra um estudante nigeriano que se vinculou a nossa instituição por processo lícito, conforme acordo entre os governos do Brasil e da Nigéria.
Uma estranha coincidência para todos nós do NEAB, que empenhamos nossos esforços para contribuir que a UFMA seja reconhecida como uma “A Universidade que Cresce com Inovação e Inclusão Social”.
Consideramos, que tais fatos nos colocam na obrigação de agir com a coerência que o caso merece, fazendo valer esses propósitos democráticos e inclusivos de rompimento com o racismo e a xenofobia. Para tanto, entendemos e afirmamos ser necessário, que o Prof. José Cloves Saraiva seja afastado de suas atribuições profissionais, até que os procedimentos legais de apuração sejam concluídos, garantindo que o estudante agredido e seus colegas de turma (testemunhas oculares do delito), estejam isentos de quaisquer constrangimentos.
Solicitamos, portanto, que Vossa Magnificência na qualidade de Reitor dessa Instituição Pública Federal de Ensino Superior, se pronuncie a respeito dos fatos relatados, de acordo com as prerrogativas que a legislação lhe confere.
Sem outros argumentos, reiteramos nossa a estima e consideração. 
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Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues da Silva
Coordenador do NEAB/UFMA

2 comentários:

  1. O professor Saraiva disse em entrevista exibida no Jornal Hoje (da Rede Globo)que se quisesse ofender o estudante, teria sido mais direto:
    "Eu o teria chamado de macaco, você não concorda (que é uma ofensa mais direta)?".

    Putz!Que comentário infeliz!

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  2. Sem dúvida, um comentário que, além de "infeliz", reflete muito bem o pensamento deste professor sobre alunos de pele escura, ainda que de modo freudianamente "inconsciente".

    Grato pela participação. Abraços fraternos.

    Hugo Freitas

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Grato pela participação.