terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ZECA BALEIRO E A "REALEZA" MARANHENSE


Por Hugo Freitas

Raras foram as vezes que assistimos a um festival de notícias veiculadas nacional e internacionalmente sobre o descalabro que acontece no Maranhão.

Historicamente, o domínio político exercido por estas maranhas se mostrou ponto factível de apreciação por diversos estudiosos que, em certa medida, tinham (e alguns ainda têm) vínculos com o objeto investigado.

Trabalhos acadêmicos sobre os movimentos sociais no Estado, por exemplo, geralmente se encontra em seus autores algum viés de envolvimento na "causa" defendida. Outros trabalhos, incluindo artigos jornalísticos, sobre a esfera político-partidária maranhense, não raro, apenas refletem o grau ideológico de aproximação entre o autor e sua "obra".

Contudo, a recente composição textual do cantor e compositor Zeca Baleiro, que escreve semanalmente para a Folha de S. Paulo, é de um desprendimento e amplitude política que impressiona.

Não se tem registros de que Zeca seja ou tenha sido militante de "esquerda" no Maranhão antes de se tornar o conhecido artista maranhense. Num Estado onde a grande maioria dos cantores e poetas que se "destacam" entre os "anônimos" possuem um grau íntimo de relações sociais com os "donos do poder", Zeca Baleiro mostrou aos maranhenses que se pode fazer música (e de qualidade) e manter uma visão crítica sobre o Maranhão sem a subserviência aos ditames dos "governantes vitalícios".

Obviamente que sua posição como colunista da Folha confere mais visibilidade a seus textos. No entanto, seu próprio status de artista nacionalmente "consagrado" poderia lhe ser uma espécie de impedimento para opinar sobre um campo mais desagregador do que agregador como a política maranhense, haja vista que aqueles que apreciam o trabalho do artista tendem a ter uma instrução educacional mais elevada, correspondendo portanto às "elites letradas" do Maranhão, tradicionalmente associadas ao poder dominante.

Isso, por si só, poderia afastar esse público de seu "ídolo". Mas não. Zeca Baleiro, ao expor sua visão política sobre um Estado polarizado como o Maranhão, não apenas demonstra seu descontentamento e repúdio com a "ordem vigente", como também diz ao Brasil que, mesmo em democracias "modernas", ainda resistem "monarquias medievais".

Confira a íntegra do artigo de Zeca Baleiro:

Leio com assombro as notícias que chegam do Maranhão. Imagens e relatos dolorosos e repugnantes despejados em tempo real em sites, jornais e telejornais, escancarando a nossa vergonha e impotência diante de barbaridades que já extrapolam nossas fronteiras e repercutem mundo afora.

Como todos, estou pasmo. Mas nem tanto. Nasci no Maranhão e sei que a barbárie (a todos agora revelada de um modo talvez sem precedentes) já impera há anos na prática de seus governantes vitalícios, que agem como os velhos donos das capitanias hereditárias do passado.

Se o crime organizado neste momento dá as cartas e oprime o povo com ameaças e ações dignas dos mais perigosos terroristas, é porque há uma natural permissão -a impunidade crônica dos oligarcas senhores feudais, que comandam (?) o Estado com mãos de ferro há 47 anos (a minha idade exatamente) e que, ao longo desse tempo, vem cometendo atrocidades sem castigo, com igual maldade, típica dos grandes tiranos e ditadores.

Esses donos do poder maranhense (e nunca dantes a palavra “dono” foi empregada com tanta adequação como aqui e agora) são exemplo e espelho para que criminosos ajam sem nenhum medo da punição.

Pois a miséria extrema que assola o Estado há décadas, o analfabetismo estimulado pela sanha dos coiotes ávidos de votos, a cultura antiga de currais eleitorais, a corrupção mais descarada do mundo e o atentado ao patrimônio histórico de sua bela e triste capital são crimes tão hediondos quanto os cometidos no complexo penitenciário de Pedrinhas.

A diferença crucial é que, enquanto os bandidos que agora aterrorizam (e matam) a população aos olhos assustados da nação estão em presídios infectos e superlotados, os criminosos de colarinho branco (e terninho bege) habitam palácios.

No meio do caos, soa tão patética quanto simbólica a notícia veiculada dias atrás neste jornal sobre abertura de licitação para o abastecimento das residências oficiais da governadora.

A lista de compras é de um rigor e de uma opulência espantosos. Parece coisa da monarquia francesa nos dias que antecederam sua queda.

No presídio de Pedrinhas, cabeças são cortadas. Resta saber se, para além dos muros da prisão, alguém um dia irá para a guilhotina.

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3 comentários:

  1. Gledson. ......Ola Hugo, dando meu pitaco. Nesse momento não tem mais como esconder o caos é tão escancarado que ate a Mirante (repito) a Mirante vem fazendo criticas as vezes duras (repito) duras criticas ao sistema prisional e seus desmandos. A questão é que muitos mantem o debate apenas nos efeitos (presidios super lotados) e poucos ou ninguem esta debatendo as causas. Ano passado fiz projeto na SEMED onde perguntava a alunos da UEB Monsenhor Frederico Chaves escola que recebe alunos da ilhinha e portelinha (reduto de facções criminosas) qual a ação ou orgão do poder estatal que eles mais viam e eles responderam o que? A policia. Assim nada mudara

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  2. Olá, Gledson. Infelizmente, a lógica policialesca da política maranhense é precisamente a "repressiva", e nunca a preventiva. O Governo do Maranhão está sendo praticamente "obrigado" a fazer alguma coisa para tentar amenizar este problema, vez que vários órgãos e instituições já acusavam as graves feridas aos direitos humanos dentro dos presídios maranhenses.

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    1. Imprensa local, regional, nacional e internacional estão denunciando a barbárie em Pedrinhas, com a ajuda ainda de órgãos internacionais como a ONU e a Anistia Internacional. Tudo isso contribui, mais uma vez, para que se adote como medida principal o aumento do efetivo policial nas ruas da cidade, esquecendo-se de outros fatores responsáveis pelo elevado índice de violência, como a guerra entre facções pelo controle do tráfico de drogas e a ineficiência da ressocialização nos presídios, o que implica num retorno dos condenados à prática de atos ilícitos, especialmente como "soldados do tráfico".
      Satisfação em tê-lo como apreciador deste espaço, companheiro. Grande abraço.

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Grato pela participação.