O nascimento do Estado Democrático de Direito na modernidade vincula-se ao entendimento da impossibilidade dos homens viverem em comunidade e de solucionarem pacificamente seus conflitos. Sua natureza, portanto, seria constituída pela função de mediador desses conflitos que, de certa forma, obstacularizavam o desenvolvimento das nações e, por conseguinte, dos homens.
Para o filósofo John Locke, a existência de tais conflitos edificam a máxima de que "o homem é o lobo do próprio homem", cujas disputas entre si beiram a selvageria, justamente pela ausência de "uma força" ou instituição que promovesse a justiça através da solução pacífica das contendas e da mediação para o entendimento recíproco.
A necessidade de um "Estado", pois, vai sendo criada e forjada na constatação dessa "natureza perversa" do homem, que não consegue estabelecer um convívio saudável em sociedade. Segundo o filósofo Thomas Hobbes, outro teórico da constituição genética do Estado, essa força invisível, porém sensível, precisaria se impor sobre a coletividade para fazer valer suas deliberações, a fim de que a "maldade humana" fosse sufocada e reprimida em detrimento da manutenção dos laços de união entre os cidadãos de um mesmo povo.
Para tanto, seria necessário centralizar a política e todo o poder dela emanente nas mãos desse "Leviatã", que se ramificaria pelas diversas células constitutivas do convívio social, onisciente, onipotente e onipresente em todas as situações de regulação da vida em sociedade, exigindo a submissão fiel e silenciosa de seus súditos em troca de segurança e proteção. O Estado hobbesiano, portanto, seria esse verdadeiro "monstro" totalitário, necessário para se impor com força e poder suficientes para dirimir os conflitos e manter a coesão da nação.
No entanto, numa perspectiva diametralmente oposta, o filósofo Jean-Jacques Rousseau estabelece uma crítica a esses dois modelos teóricos de formação do Estado. Na concepção rousseniana, é necessário que haja uma espécie de "contrato social" entre os homens, pelo qual as liberdades individuais de cada cidadão seriam delegadas à coletividade. Dessa forma, ninguém se sobreporia a ninguém, pois o Estado seria fruto da vontade consciente e geral da população, ao qual todos devotariam obediência, obedecendo assim a si mesmo.
Em suma, o Estado teria a natureza da "vontade geral", esplendor da forma racional de organização social, através do qual todos seriam atendidos e contemplados, pois suas decisões seriam deliberadas baseadas no princípio da coletividade, isto é, no "bem-comum".
Portanto, cada súdito (cidadão) seria livre e alcançaria a felicidade, pois prosternaria-se em obediência à sua própria vontade, já que as individualidades diluíriam-se na coletividade, sem nenhum risco do privatismo de interesses dos governantes se sobreporem ao organismo social, que os expulsaria e elegeria outros "aspirantes a gestores públicos" mais concatenados com o entendimento absoluto da "vontade geral".
Trazendo tais concepções para os dias atuais, percebemos que os três teóricos teriam certa relevância em alguns aspectos da vida política do Brasil. No quesito segurança pública, por exemplo, observamos uma tendência cada vez mais crescente de se "vigiar" a sociedade e saber de tudo o que se passa com os cidadãos, identificando-os e dizendo quem são eles.
Tal perspectiva amolda-se perfeitamente à concepção hobbesiana do "Leviatã", figura do "Estado-monstro" que tudo vê e ouve, materializada nas inúmeras câmeras espalhadas pelo país afora, tanto em lugares públicos quanto privados, bem como na tentativa de se reunir em um banco de dados, geral e único, todas as informações pertinentes aos súditos da "pátria mãe gentil", o conhecido "Registro Único", facilitando assim o trabalho investigativo dos órgãos de segurança sobre os "desgarrados da lei".
Além disso, no que diz respeito à eficiência da solução dos conflitos, é sensível a presença do pensamento de Locke justamente na constatação da ausência da justiça "cega" do Estado, que sempre se posicionou (e ainda o faz) a favor dos interesses das classes dominantes e fechou os olhos para os despossuídos. Nesse sentido, o homem continua sendo o lobo do homem, não mais pela inexistência de uma "força conciliadora", mas por sua ineficiência e inoperância diante das contendas e de sua utilização deliberada a pender sempre para o lado da balança que mais lhe convir.
Em último aspecto, analisamos que o idealismo romântico rousseauniano se retroalimenta pelos veículos de comunicação, que enaltecem a nossa frágil democracia em tempos eleitorais para promover a disfarçatez do colonialismo econômico reinante em nosso modo de fazer política, no qual os partidos e os políticos continuam a dilatar o abismo entre os objetivos do Estado e a felicidade do povo, tendo como resultado diacrônico a imersão do bem-comum no recôndito subterrâneo cancerígeno da corrupção.
Por tudo isso, no que tange à efetividade do Estado "Democrático" de Direito no Brasil, é que observamos com tristeza e indignação a supressão de seus objetivos sociais. Mensalões, Sanguessugas, dinheiro em meias e cuecas de parlamentares, malas abarrotadas de dólar, compra de castelos, palácios e... panetones..., são alguns do sem-número de exemplos de que a figura do Estado sofre de deformação aguda, de desmacaramento de suas sevícias e de exposição visceral de seus órgãos espúrios.
À luz dos teóricos analisados, a figura do Estado passa por uma metamorfose decadente, sôfrega e contraditória. Se, antes, gestado como mediador dos conflitos oriundos da vida em comunidade, mantenedor dos laços coesivos da nação e promotor do bem-comum, nos dias que se seguem, particularmente no Brasil, são os "ismos" que continuam a ditar as regras do jogo da sobrevivência da população: clientelismo, paternalismo, patrimonialismo, assistencialismo, onde todos os súditos da "terra adorada" são transformados em "gado consumidor", despolitizados e marginalizados, no que diz respeito ao debate político, cada vez mais inexistente.
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