Por Hugo Freitas
Raras foram as vezes que assistimos a
um festival de notícias veiculadas nacional e internacionalmente sobre o
descalabro que acontece no Maranhão.
Historicamente, o domínio político
exercido por estas maranhas se mostrou ponto factível de apreciação por
diversos estudiosos que, em certa medida, tinham (e alguns ainda têm) vínculos
com o objeto investigado.
Trabalhos acadêmicos sobre os movimentos sociais no
Estado, por exemplo, geralmente se encontra em seus autores algum viés de
envolvimento na "causa" defendida. Outros trabalhos, incluindo
artigos jornalísticos, sobre a esfera político-partidária maranhense, não raro,
apenas refletem o grau ideológico de aproximação entre o autor e sua "obra".
Contudo, a recente composição textual do cantor e compositor Zeca Baleiro, que escreve semanalmente para a Folha de S.
Paulo, é de um desprendimento e amplitude política que impressiona.
Não se tem
registros de que Zeca seja ou tenha sido militante de "esquerda" no
Maranhão antes de se tornar o conhecido artista maranhense. Num Estado onde a
grande maioria dos cantores e poetas que se "destacam" entre os
"anônimos" possuem um grau íntimo de relações sociais com os "donos
do poder", Zeca Baleiro mostrou aos maranhenses que se pode fazer música
(e de qualidade) e manter uma visão crítica sobre o Maranhão sem a subserviência aos ditames dos "governantes
vitalícios".
Obviamente que sua posição como
colunista da Folha confere mais visibilidade a seus textos. No entanto, seu
próprio status de artista nacionalmente "consagrado" poderia lhe ser
uma espécie de impedimento para opinar sobre um campo mais desagregador do que
agregador como a política maranhense, haja vista que aqueles que apreciam o
trabalho do artista tendem a ter uma instrução educacional mais elevada,
correspondendo portanto às "elites letradas" do Maranhão,
tradicionalmente associadas ao poder dominante.
Isso, por si só, poderia afastar esse
público de seu "ídolo". Mas não. Zeca Baleiro, ao expor sua visão
política sobre um Estado polarizado como o Maranhão, não apenas demonstra seu descontentamento e repúdio
com a "ordem vigente", como também diz ao Brasil que, mesmo em
democracias "modernas", ainda resistem "monarquias
medievais".
Confira a íntegra do artigo de Zeca
Baleiro:
Leio com assombro as notícias que
chegam do Maranhão. Imagens e relatos dolorosos e repugnantes despejados em
tempo real em sites, jornais e telejornais, escancarando a nossa vergonha e
impotência diante de barbaridades que já extrapolam nossas fronteiras e
repercutem mundo afora.
Como todos, estou pasmo. Mas nem tanto.
Nasci no Maranhão e sei que a barbárie (a todos agora revelada de um modo
talvez sem precedentes) já impera há anos na prática de seus governantes
vitalícios, que agem como os velhos donos das capitanias hereditárias do
passado.
Se o crime organizado neste momento dá
as cartas e oprime o povo com ameaças e ações dignas dos mais perigosos
terroristas, é porque há uma natural permissão -a impunidade crônica dos
oligarcas senhores feudais, que comandam (?) o Estado com mãos de ferro há 47
anos (a minha idade exatamente) e que, ao longo desse tempo, vem cometendo
atrocidades sem castigo, com igual maldade, típica dos grandes tiranos e
ditadores.
Esses donos do poder maranhense (e
nunca dantes a palavra “dono” foi empregada com tanta adequação como aqui e
agora) são exemplo e espelho para que criminosos ajam sem nenhum medo da
punição.
Pois a miséria extrema que assola o
Estado há décadas, o analfabetismo estimulado pela sanha dos coiotes ávidos de
votos, a cultura antiga de currais eleitorais, a corrupção mais descarada do
mundo e o atentado ao patrimônio histórico de sua bela e triste capital são
crimes tão hediondos quanto os cometidos no complexo penitenciário de
Pedrinhas.
A diferença crucial é que, enquanto os
bandidos que agora aterrorizam (e matam) a população aos olhos assustados da
nação estão em presídios infectos e superlotados, os criminosos de colarinho
branco (e terninho bege) habitam palácios.
No meio do caos, soa tão patética
quanto simbólica a notícia veiculada dias atrás neste jornal sobre abertura de
licitação para o abastecimento das residências oficiais da governadora.
A lista de compras é de um rigor e de
uma opulência espantosos. Parece coisa da monarquia francesa nos dias que
antecederam sua queda.
No presídio de Pedrinhas, cabeças são
cortadas. Resta saber se, para além dos muros da prisão, alguém um dia irá para
a guilhotina.
Gledson. ......Ola Hugo, dando meu pitaco. Nesse momento não tem mais como esconder o caos é tão escancarado que ate a Mirante (repito) a Mirante vem fazendo criticas as vezes duras (repito) duras criticas ao sistema prisional e seus desmandos. A questão é que muitos mantem o debate apenas nos efeitos (presidios super lotados) e poucos ou ninguem esta debatendo as causas. Ano passado fiz projeto na SEMED onde perguntava a alunos da UEB Monsenhor Frederico Chaves escola que recebe alunos da ilhinha e portelinha (reduto de facções criminosas) qual a ação ou orgão do poder estatal que eles mais viam e eles responderam o que? A policia. Assim nada mudara
ResponderExcluirOlá, Gledson. Infelizmente, a lógica policialesca da política maranhense é precisamente a "repressiva", e nunca a preventiva. O Governo do Maranhão está sendo praticamente "obrigado" a fazer alguma coisa para tentar amenizar este problema, vez que vários órgãos e instituições já acusavam as graves feridas aos direitos humanos dentro dos presídios maranhenses.
ResponderExcluirImprensa local, regional, nacional e internacional estão denunciando a barbárie em Pedrinhas, com a ajuda ainda de órgãos internacionais como a ONU e a Anistia Internacional. Tudo isso contribui, mais uma vez, para que se adote como medida principal o aumento do efetivo policial nas ruas da cidade, esquecendo-se de outros fatores responsáveis pelo elevado índice de violência, como a guerra entre facções pelo controle do tráfico de drogas e a ineficiência da ressocialização nos presídios, o que implica num retorno dos condenados à prática de atos ilícitos, especialmente como "soldados do tráfico".
ExcluirSatisfação em tê-lo como apreciador deste espaço, companheiro. Grande abraço.