Por Hugo Freitas
O teor da Carta "vazada" à
imprensa do vice-presidente do Brasil, Michel Temer (PMDB), à presidente Dilma
Rousseff (PT), expôs as fissuras do governo federal e a
"queda-de-braços" que ocorre entre os dois principais partidos que
dirigem o país.
O "desabafo" pessoal de
Temer, que cobra da presidente Dilma "favores" e "pedidos"
não atendidos, escancara as vísceras contorcidas de um governo que afunda em
denúncias de corrupção envolvendo "figurões" tanto do PT quanto do PMDB,
para ficarmos apenas nas duas legendas que comandam o Executivo Nacional.
É, no mínimo, "curioso"
observar que a epístola corporativista de Temer emerge de forma quase imediata ao anúncio da aceitação do pedido de impeachment contra a presidente Dilma, face às investigações autorizadas
pelo Supremo Tribunal Federal contra o presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB), supostamente envolvido no esquema de corrupção da Petrobrás, e contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), no
Conselho de Ética, que visa à cassação de seu mandato, também supostamente envolvido no "Petrolão".
O "vazamento" da Carta de
Temer é o ponto alto de uma "tragédia" política que se abate sobre a
população brasileira concomitantemente ao agravamento do "arrocho
fiscal" que confisca direitos trabalhistas e ceifa investimentos na Saúde
e na Educação da famigerada "pátria educadora". Que o digam os
reitores das universidades brasileiras, só para citar uma ponta desse
gigantesco iceberg.
No entanto, em que pese todos os problemas enfrentados pelo Planalto, o esfacelamento das
relações entre o PT e o PMDB não só enfraquece a governabilidade
da presidente Dilma como abre uma lacuna de poder que facilmente pode abrigar
adeptos da "extrema direita" que constroem seus "projetos" na planície calcados apenas na bandeira empunhada pelos veículos midiáticos a estes
atrelados: a demonização do Partido dos Trabalhadores.
Como nítido exemplo, impressiona o tom dado
pela imprensa aos dirigentes do PT nos escândalos de corrupção investigados
pela Polícia Federal na Operação Lava-Jato quando comparados às inúmeras provas
e documentos já encontrados na mesma operação que envolvem dirigentes do PMDB e
dos principais partidos de oposição capitaneados pelo PSDB de Aécio Neves. Contudo, a estes é concedido o princípio da dúvida; aos primeiros, a punição antecipada.
Basta lembrar que um senador da República foi preso pela PF baseado apenas em uma gravação. O senador em comento era o líder do governo no Senado e integra os quadros do PT, Delcídio do Amaral. O mesmo não ocorreu em relação a Eduardo Cunha, contra quem já existem inúmeras provas que o associam como beneficiário do esquema de desvio dos cofres da Petrobrás.
Ao contrário, Cunha continua exercendo suas funções de presidente da Câmara dos Deputados, lançando mão de diversas manobras e artifícios para evitar sua cassação no Conselho de Ética, ao mesmo tempo em que despeja artilharia pesada contra a presidente Dilma, seja na aceitação do pedido de apreciação do impeachment, seja na não votação de projetos importantes para o desenvolvimento do país.
Há que se temer a Carta de Temer? Da
parte do governo, sim. Afinal, perder o apoio do maior partido do país, com uma
das maiores bancadas do Congresso Nacional, justamente em tempos de crise
política e econômica, é ter que enfrentar todo um agrupamento de forças
reacionárias que, a reboque, pulam da nau petista junto com o PMDB.
No fim das contas, a epístola de Temer apenas reafirma o corporativismo histórico que impera no PMDB sempre que o partido se encontra "encostado à parede" pelas condições políticas que não lhes sejam favoráveis.
Temer sinaliza para uma ruptura com Dilma, ao mesmo tempo que reforça o apoio a seus correligionários
Cunha e Renan no tocante ao reagrupamento das forças peemedebistas (nas
palavras dele, "unidade partidária", e não da Nação) em busca de um
novo rearranjo político que os favoreça novamente, como vem ocorrendo neste
país desde o advento do regime militar, vide a trajetória do MDB e suas relações
idiossincráticas com a Arena durante o governo dos generais (1964-1985) até os dias atuais.
Confira abaixo a íntegra da Carta de Michel Temer à Dilma Rousseff:
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
"Verba volant, scripta
manent" (As palavras voam, os escritos permanecem)
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito
do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos
das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo
que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso
alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao
longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo
art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha
natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da
absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB.
Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e
partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção
apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era
eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB
apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da
credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou
confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns
deles.
1. Passei os quatro primeiros anos de
governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo
político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só
era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados
para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros
acessórios, secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à
última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco
fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma
indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato
no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais
recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas "desfeitas",
culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso
prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a
ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz
parte de uma suposta "conspiração".
5. Quando a senhora fez um apelo para
que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava
muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste
fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do
que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não
foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo
do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar
aquela coordenação.
6. De qualquer forma, sou Presidente do
PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para
fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os
dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a
menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de
São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim,
senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no
Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças
aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi
aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do
nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que
deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na
posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden - com quem
construí boa amizade - sem convidar-me o que gerou em seus assessores a
pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados
Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da
"espionagem" americana, quando as conversar começaram a ser
retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice
Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de
confiança;
9. Mais recentemente, conversa nossa
(das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica
sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa "Uma Ponte para
o Futuro", aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas
para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo
busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A
senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o
objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho
certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as
conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem
confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a
minha convicção.
Respeitosamente,
\ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto