quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

SOBRE AS DIVERGÊNCIAS ENTRE O JUDICIÁRIO E O GOVERNO DO MARANHÃO

Poderes Executivo e Judiciário divergem sobre a situação da segurança pública estadual

Por Hugo Freitas

Antes, "aliados de todas as horas", reflexo das relações de reciprocidade tecidas e mantidas entre membros do grupo Sarney e as elites locais, balizadas pela Constituição Federal que prevê a nomeação dos magistrados nas Cortes regionais pelos respectivos governos estaduais, o Judiciário e o Executivo maranhenses parecem estar com seus laços paritais estremecidos depois das críticas feitas pela governadora Roseana Sarney (PMDB) aos togados estaduais.

Em duas oportunidades, tanto em entrevista (confira aqui), quanto no relatório encaminhado pelo Governo do Estado à Procuradoria Geral da República, Roseana atribuiu a responsabilidade pelo caos no sistema prisional do Maranhão ao Judiciário maranhense.

Na concepção da governadora, a morosidade e omissão da Justiça em julgar ações de condenação é uma das causas da superlotação no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, cuja situação calamitosa alcançou patamares de destaque internacional após a onda de violência que explodiu nos últimos meses entre os detentos que disputam o controle do tráfico de drogas de dentro do presídio (confira aqui).

Contrário ao pensamento da chefe do Executivo estadual, o presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA), juiz Gervásio Santos, contestou o referido relatório e disse que o Governo deveria reconhecer a existência da crise para tentar combatê-la.

“A primeira e mais urgente ação do Governo do Estado para debelar a crise na segurança do Maranhão seria reconhecer que ela existe e deixar de tentar transferir a responsabilidade ao Judiciário, ao CNJ e ao Governo Federal”, afirmou o magistrado, afinando o discurso ao da presidente do Tribunal de Justiça estadual, Cleonice Freire, que foi categórica ao dizer que "os problemas no sistema carcerário independem do Poder Judiciário" (leia aqui).

Defensor da "política do encarceramento", Gervásio Santos aponta que uma das maiores questões a serem solucionadas é a falta de vagas nas prisões. Segundo ele, até dezembro de 2013, existiam no sistema carcerário maranhense 5.384 presos, dos quais 1.985 estão recolhidos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas.

Números do último levantamento feito pela Unidade de Monitoramento, Acompanhamento e Aperfeiçoamento do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça apontam que o déficit no sistema prisional do Maranhão supera a marca das duas mil vagas. Dos 5.384 presos, 1.563 estão distribuídos em delegacias de polícia no interior do Estado.

Segundo dados da Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap), em todo o Maranhão há unidades prisionais apenas em São Luís e nos municípios de Caxias, Imperatriz, Açailândia, Chapadinha, Pedreiras e Timon, o que evidencia a falta de infraestrutura no setor.

MANDADOS NÃO CUMPRIDOS

Na concepção do presidente da AMMA, há vários fatores no relatório do Executivo que mereciam ser avaliados antes de atribuir a culpa ao Judiciário. Um deles é que segundo o Banco Nacional de Mandados de Prisão mantido pelo CNJ, existem 5.539 mandados expedidos pela justiça maranhense sem cumprimento, o que desmente o mito de que a polícia prende e a justiça solta.

Conforme Gervásio, uma das causas para ausência de cumprimento desses mandados é o baixo efetivo da Polícia Militar. Dados divulgados pela Revista Exame (leia aqui) apontam o Maranhão com um efetivo de apenas 7.443 policiais militares, o que dá uma média de um policial para cada 882 habitantes, quando a média nacional é de um PM para 472 habitantes.

PRESOS PROVISÓRIOS

Outro ponto destacado pelo Governo do Estado no relatório entregue à Procuradoria da República diz respeito ao grande número de presos provisórios no sistema prisional. Segundo Gervásio, a taxa é de 57%, do total dos 5.384 presos, porém, ele esclarece que presos provisórios são todos os que estão recolhidos ao sistema sem sentença transitada em julgado, ou seja, foram condenados, mas ainda cabe recurso, houve a condenação, mas a guia ainda não foi expedida, ou, ainda, que estão sob prisão de natureza cautelar.

O magistrado não afasta a possibilidade que nessa massa carcerária possa, eventualmente, haver presos recolhidos com prazo vencido, mas ainda que esses fossem excluídos, isto não solucionaria o problema do sistema penitenciário maranhense.

Segundo ele, contribui para esse tipo de ocorrência, sobretudo, a falta de apresentação dos presos nas audiências. “Os fóruns em todo o estado registram o adiamento de dezenas de audiências por esse motivo”.

Na concepção de Gervásio, dois fatores são preponderantes para isso: ausência de defensores públicos e quase 40 unidades judiciárias vagas em todo o estado. "Portanto, não se trata de mera lentidão da justiça, como declarou a governadora", declarou o juiz em defesa do Judiciário estadual.

SOLUÇÕES

Para Gervásio, a superação do problema exige medidas de médio e longo prazo, dentre elas, a construção de novas unidades penitenciárias no interior do estado para que presos sejam mantidos no seu ambiente, evitando contatos com as facções criminosas, e a construção de presídios de segurança máxima onde possam ser mantidos os presos de alta periculosidade.

O magistrado cita, ainda, a necessidade de instituição de políticas públicas efetivas voltadas à ressocialização, além da reestruturação de todo o sistema penitenciário, com a dispensa de terceirizados e a contratação de agentes preparados para o exercício da função.

Por fim, o juiz Gervásio Santos sugere três medidas de imediato para manter sob controle a segurança pública:

1) a transferência dos líderes das facções criminosas para presídios federais;

2) reforço do policiamento urbano para aplacar a ira dos criminosos que estão soltos e seguem as ordens dos líderes presos e;

3) esforço concentrado do Executivo, Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e entidades da sociedade civil organizada que tratam da questão carcerária.

As declarações do juiz Gervásio são um dos raros fachos de luz que incidem sobre a grave crise que assola os presídios maranhenses e assusta a população, em face de tantos usos políticos que são feitos das vítimas inocentes deste descalabro, onde a busca por "culpados" é maior do que o desejo de enfrentar e superar os problemas.

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