Por Hugo Freitas
"Foi como fazer mais uma visita ao
inferno. Doentes e acompanhantes padecem, pioram ou adoecem".
Assim começou a reportagem especial do
programa "Globo Repórter" desta sexta-feira (13), que exibiu a
situação caótica e degradante dos pacientes que se amontoam nos Socorrões I e
II de São Luís.
Após a veiculação impactante da
matéria, os gestores da Saúde no Maranhão trataram de se pronunciar sobre o
descaso na pasta. Cada um a seu modo e colocando a "culpa" no adversário político
de 2014.
Ricardo Murad responsabiliza a Prefeitura de São Luís pelo caos nos Socorrões
De acordo com o secretário estadual de
Saúde, Ricardo Murad (PMDB), a responsabilidade pelo descaso no setor da capital
é de responsabilidade da Prefeitura de São Luís, que estaria sendo omissa no
atendimento de casos de cirurgias de média e alta complexidade realizadas nos
hospitais de urgência e emergência da rede municipal. Isto seria um dos
motivos, segundo o secretário, da superlotação no Socorrão I e no Socorrão II.
Para combater esse descaso, Murad
anunciou a proposta de contratação de serviços hospitalares da rede privada de
São Luís para atender, emergencialmente, a demanda por cirurgias eletivas.
Pela proposta, os hospitais
particulares “deverão colocar à disposição do Estado suas estruturas físicas e
equipes médicas para realizarem cirurgias eletivas por tempo indeterminado em
pacientes já triados, que já têm diagnóstico e serão encaminhados por meio da central
de regulação estadual”, declarou Murad em sua página no Facebook.
Ricardo Murad relatou ainda que milhares
de pessoas esperam cirurgias eletivas em alguns hospitais da rede estadual e
que os mesmos estariam absorvendo casos de urgência e emergência que deveriam
ser de competência dos Socorrões mantidos pelo município de São Luis.
“Cerca de três mil pessoas esperam por
cirurgias eletivas no Hospital de Alta Complexidade Tarquínio Lopes Filho. Esse
hospital e o Carlos Macieira estão absorvendo todos os casos de urgência e
emergência não atendidos pelos Socorrões mantidos pela Prefeitura de São Luís”,
afirmou Murad.
César Félix acusa o Governo do Maranhão de ineficiência na manutenção do funcionamento dos hospitais regionais, sobrecarregando assim os Socorrões
Por sua vez, o secretário de Saúde de
São Luís, César Félix, rechaçou a proposta de Murad, alegando que a contratação
de serviços de hospitais da rede privada de São Luís confirma a ineficiência
dos hospitais que estão sendo entregues pelo Governo do Estado às prefeituras,
em dar resolutividade aos casos de média e alta complexidade.
Segundo o secretário, mais de 70% dos
pacientes que estão nos corredores do Socorrão I e do Socorrão II pertencem a
outros municípios do interior do Estado, o que explica a superlotação dos
únicos hospitais de urgência e emergência de todo o Maranhão. "O fato dos
hospitais regionais não darem atendimento aos pacientes acaba por conduzi-los
para São Luís”, ressaltou Félix.
No entendimento do secretário, a rede
municipal de Saúde vem sendo sistematicamente sacrificada na medida em que
responde por 100% da responsabilidade pelo atendimento de casos de média e alta
complexidade no Maranhão, recebendo apenas 45% do repasse do Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com dados da Semus, dos R$
669 milhões oriundos do governo federal recebidos pela Secretaria Municipal de Saúde, de janeiro a dezembro
deste ano, 50% foram repassados para o Estado e 5% para o Hospital
Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), restando 45% para o
município de São Luís.
Para Félix, os recursos são
insuficientes para a gestão da saúde na capital. “Temos 100% de responsabilidade e só recebemos
45% dos recursos. Isso é injusto e não é suficiente para atender ao enorme
fluxo de pacientes que acorrem diariamente para São Luís”, afirmou.
O que diz a Lei
De acordo com a Lei N. 8.080/1990, que dispõe sobre a promoção dos serviços de saúde, é dever do Estado "prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício".
Pautado nessa premissa constitucional, o Governo Federal criou o Sistema Único de Saúde (SUS), que se constitui pelo "conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direta e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público", conforme reza o Art. 4o da referida Lei.
Diante do que estabelece o Ministério
da Saúde, observa-se que o município, por ser gestor pleno do Sistema Único de Saúde (SUS), tem
o dever de gerir a regulação de exames e leitos nas unidades de saúde
conveniadas ao SUS.
No entanto, seguindo o dispositivo constitucional, a regulação do Sistema de
Saúde na capital é de modo tripartite, realizada por instituições das três
esferas: federal (Hospital Universitário), estadual (SES) e municipal (Semus),
o que vai de encontro às determinações do próprio Ministério, criando três centrais de
regulação diferentes, gerando dificuldades na gestão da estrutura em São Luís.
Pacientes do Socorrão II aguardam nos corredores o dia em que serão atendidos
Problemas graves
Tais "dificuldades" podem ser
traduzidas na disputa política que se trava nos bastidores da Saúde pública da
capital, onde os adversários lutam, cada um a seu modo, pelo controle total das
verbas destinadas para o setor.
Numa conta simples, 45% dos 669 milhões
repassados à Saúde de São Luís pelo Governo Federal equivale a um total de R$
301.050.000,00 por ano. São mais de 25 milhões de reais por mês.
Ainda assim, o caos continua imperando nos
Socorrões, seja pela falta de materiais básicos de higiene e hospitalares, como
gazes e ataduras, pela precariedade nas instalações físicas dos hospitais, ou pela má qualidade na alimentação dos pacientes, que já esteve restrita apenas à farinha com água.
Além desses absurdos, faltam medicamentos para
tratar traumas ortopédicos, especialidade do Socorrão II, localizado no bairro
da Cidade Operária, restritos apenas à Dipirona e Voltarein, também em escassas
quantidades.
No Socorrão I, pacientes e acompanhantes se confundem em meio aos péssimos serviços médico-hospitalares
Mas os problema mais flagrantes, sem
dúvida, são a falta de leitos e de médicos-cirurgiões para atender toda a demanda do Estado que deságua
em São Luís. Somados estes problemas à má gestão dos recursos, pacientes levam dezenas de dias, até meses, amontoados nos corredores dos hospitais, aguardando desesperadamente por um atendimento que parece que nunca virá, diante da falta de informações concretas sobre se e quando haverá procedimentos cirúrgicos. E a fila de espera só aumenta a cada dia.
Por isso, os corredores dos Socorrões, conforme
mostrado no Globo Repórter, são verdadeiros "campos de batalha num cenário
de guerra", onde pacientes se confundem com acompanhantes, devido às
condições degradantes e ao tratamento desumano a que são submetidos.
Enquanto os responsáveis pela gestão
dos recursos públicos destinados à Saúde no Maranhão, principalmente
representantes da Prefeitura de São Luís e do Governo do Estado, não se derem
as mãos, colocarem uma pedra em cima desse "jogo de empurra" e
procurarem suprimir suas diferenças e disputas políticas em prol da melhoria do
povo convalescente nos hospitais, cada um assumindo as responsabilidades que
lhe competem por Lei, as cenas de devastação da condição humana continuarão a
chocar e a fazer sofrer todos aqueles que dependem e sustentam com o suor dos
seus impostos os serviços públicos de Saúde.