Prezado leitor, em virtude da
proximidade do segundo turno do pleito presidencial, domingo (26), e do último
debate eleitoral entre os candidatos Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB),
que será realizado na próxima sexta-feira (26), na TV Globo, apresento-lhe um
interessante e instigante texto, intitulado "Duas políticas para a
universidade pública", produzido por um professor de uma universidade
federal que vivenciou, in loco, os governos FHC e Lula no tocante às políticas
públicas voltadas para o ensino superior no Brasil.
Vale a pena ler e refletir sobre o seu
teor, sem deixar de descurar sobre o local de fala do autor.
Boa leitura e bom voto!
Duas políticas para a universidade
pública
Por Wolfgang Leo Maar
Professor de Filosofia Política da Universidade Federal de São Carlos
Com FHC, a educação deixou de ser um
fim estruturante para se tornar subordinada à política econômica e à sua
lógica. O governo do PT, entre outras coisas, recuperou salários, aumentou o
quadro de pessoal, criou mais de 70 mil bolsas de graduação para estudantes no
exterior, 850 mil bolsas de graduação pelo Prouni, fez o Reuni, e a produção
científica nas federais quadruplicou em relação a 2002
O importante é desconfiar sempre e
nunca perder de vista a realidade concreta particular, como sempre insistia o
autor de "O Capital".
A manipulação pela grande imprensa
procura fixar opiniões gerais nos leitores, ouvintes e espectadores, sem
qualquer comprovação ou base concreta específica. Por isso ocorre o contraste
verificado nas opiniões, tão logo se questiona uma situação concreta e
determinada. O exemplo clássico é o já muito citado caso do contraste entre
respostas a questões do tipo “Como vai o País?” e “Como vai a sua vida?”.
Muito já foi divulgado acerca da
diferença entre as políticas para o ensino superior do governo tucano e do
governo petista. Este mesmo espaço do Brasil Debate já ofereceu excelentes
contribuições, mostrando os inegáveis avanços nos últimos 12 anos.
Aproveito para acrescentar minha
experiência pessoal concreta e específica neste caso.
Durante um período do governo do PSDB e
durante um bom tempo do governo do PT, fui membro do Conselho Universitário da
Universidade Federal de São Carlos. Pude assim acompanhar de perto a situação
da instituição.
O governo tucano foi marcado por oito
anos no Ministério da Educação pela figura de Paulo Renato Souza (professor da
Unicamp) de triste memória. Ele se dedicou a seguir à risca o nefasto
receituário da reforma universitária pautada pelo Banco Mundial a partir de
Washington: estímulo à privatização do ensino superior e abandono do sistema
público.
Com FHC, a educação deixou de ser um
fim estruturante: a política educacional foi inteiramente subordinada à
política econômica e à sua lógica.
O resultado foi uma universidade de
joelhos, como não ocorreu sequer na ditadura. Expansão zero do sistema federal
de ensino superior. Houve arrocho salarial (muitos anos de reajuste zero: entre
1995 e 2002 houve uma perda de valor real de 38% nos salários) e o congelamento
do valor das bolsas de estudo.
Ocorreu a contenção no quadro de
docentes e servidores (praticamente nenhum contrato novo e nenhuma substituição
de aposentados) com a criação do precário quadro do “professor substituto”, uma
espécie de “horista” federal.
Prevaleceu o tratamento a pão e água no
custeio e no investimento das instituições (no final do ano, o Conselho
Universitário suava para conseguir contemplar as contas atrasadas de luz, água
e telefone). Recursos para aquisição de livros? Bolsas para alunos? Alojamento
estudantil? Equipamentos de laboratório?
A política de desenvolvimento
dependente e subordinada seguida nos anos FHC (professor da USP) colocou em
segundo plano a pesquisa no País: o que era importante viria de fora, dizia-se.
As universidades federais deveriam
parar de se dedicar à investigação científica, com poucas exceções. Isso
demonstra como é uma farsa a pretensa política tucana de seguir padrões de
competência e mérito! E o ensino? Bem, conforme disse FHC, só “vira professor o
coitado que não consegue fazer pesquisa”…
Obviamente, tal penúria não combinava
com diálogo com as universidades. Exigia-se mão de ferro. Um reitor da época
relatou o único encontro que o ministro teve com os dirigentes federais, logo
no início de sua gestão: mandou retirar todas as cadeiras de uma sala de
reuniões com exceção da sua própria, obrigando os reitores a ouvirem de pé seu
longo discurso, após o que se retirou de imediato e deixou um auxiliar para
responder eventuais perguntas.
Para completar sua política contra as
universidades federais, nos últimos meses do governo o ministro apressou-se em
facilitar a abertura à privatização da educação: liberou a criação de 149
instituições e 821 cursos de ensino superior privado.
Foi o maior crescimento sem qualquer
critério de mérito (novamente a farsa do discurso tucano da competência!) de
faculdades e universidades com fins lucrativos já registrado em nossa história,
fortalecendo de modo inédito o lobby das mesmas.
Que diferença com o governo de um
operário sem formação acadêmica, que logo ao assumir convocou todos os reitores
das instituições federais a Brasília para um contato direto e cordial…
Durante o governo do PT, houve uma
importante mudança na relação com a comunidade universitária, que se envolveu
diretamente na expansão do sistema. Houve uma recuperação salarial para
docentes e servidores, bem como o aumento significativo do quadro de pessoal:
de menos de 50 mil em 2002 passaram a mais de 75 mil em 2013. Hoje os salários
recuperaram o nível real de 1995, embora ainda muito aquém do necessário.
Ainda não é uma maravilha, mas houve
uma grande expansão com o programa Reuni, com 18 novas universidades, das quais
4 no governo Dilma (contra zero no governo FHC).
Junto com grande expansão nas
instituições já existentes, mais do que dobrou o número de matrículas: hoje são
325 mil vagas, e 1140 mil alunos matriculados na rede federal de ensino
superior.
O orçamento da educação passou dos
cerca de 4% que foi durante o governo tucano até 2002, para 6,2% em 2013. O
Enem é usado no lugar dos vestibulares e se generalizou uma política de cotas
raciais e para os provenientes do ensino público.
O valor das bolsas da Capes e do CNPq,
antes congelado, aumentou 67%. Criaram-se 71.400 bolsas de graduação para
estudantes no exterior e houve 850 mil bolsas integrais de graduação pelo
Prouni. A produção científica nas universidades federais quadruplicou em
relação a 2002, atingindo 24.400 publicações em revistas internacionais em 2013
(as estaduais paulistas, referência nesse caso, aumentaram cerca de 2,5 vezes
no período).
Agora existem as condições dinâmicas
para um crescente desenvolvimento das universidades com competência e justiça
social, totalmente ausentes no período tucano.
Quem foi, é ou pretende ser da
comunidade acadêmica e vota em Aécio, bom sujeito não é: ou é ruim da cabeça,
ou tem má-fé…
PS: Texto publicado originalmente no dia 19.10.2014 e
"pescado" do site Brasil Debate