"Sou professora de sociologia da rede
estadual do Rio de Janeiro. Devido ao baixo salário, sou obrigada a trabalhar também na rede privada. Tenho 22
turmas, metade na escola privada, a outra metade no Estado. Uma média de 40
alunos por turma no Estado e 60 na escola privada. Isso me dá cerca de 1100
alunos, e 1680 avaliações pra corrigir por bimestre. Dessas, 1400 são da rede
estadual.
Tenho apenas um tempo de 50 minutos de
aula com cada turma, o Estado me obriga a aplicar 4 avaliações: 3 regulares
mais a recuperação. Em dia de entrega das avaliações não tem aula, pq não dá
tempo em 50 minutos, além disso eu perco um dia de aula para a aplicação do
SAERJ Brinco com meus alunos que eles tem mais avaliação do que dia de
aula.
A escola me cobra também contabilizar a
presença em cada aula e anotar nos diários, PARA CADA UMA DAS 11 TURMAS: conteúdo trabalhado em sala, notas, faltas incluindo
os malditos pontinhos de presença (sim, querem que eu faça aqueles pontinho em
cada quadradinho, não só marcar as faltas). Me exigem também lançar as mesmas
notas dos alunos que já estão no diário na página da seeduc, e entregar numa
tirinha para secretaria. Ou seja, além das 1680 provas eu preciso preencher 11
diários e lançar as notas 3 vezes. Tudo isso com 50 minutos de aula. Sem
esquecer que temos um prazo pra tudo isso, em torno de 2 semanas.
Também exigem que nós apliquemos o
SAERJ, aquela prova que vocêss devem ter visto circulando por aí, que subestima
a capacidade intelectual dos meus alunos,um desrespeito com eles, além
de reproduzir a meritocracia, que é absolutamente contraditória com uma
perspectiva de ensino que visa reconhecer as particularidades de cada aluno.
Muitos professores, por orientação da SEEDUC, dão pontos para os alunos que
fazem o SAERJ, facilitando a sua aprovação, o que garante que com o número de
aprovações escolares elevados para que assim o Governo do Estado possa pegar
empréstimos com organismos financeiros internacionais. Sabemos que esse dinheiro
não chega nas escolas, nem passa perto.
Terça-feira é um dia cheio, dou aula
para 8 turmas seguidas, pulo de sala em sala. Infelizmente não consigo gravar o
nome de todos os meus alunos, muitas vezes não consigo reconhecê-los na rua, o
que me entristece muito, porque desumaniza as nossas relações.
Em razão disso tudo, ou eu desobedeço
as normas, ou só me preocupo com as burocracias, eu resolvi desobedecer as
normas. Não aplico SAERJ, não lanço as notas no sistema da Seeduc, marcos as
presenças (quando me lembro de fazer) mas não faço os pontinhos, não obedeço
severamente os prazos, reduzirei a quantidade de avaliações e me concentrarei
nas aulas e debates em sala, mesmo com tão pouco tempo de aula eles são a parte
mais importante da minha presença ali.
É um festival de desumanidades… desde as 22 turmas, as 1680
provas, os prazos, os pontinhos e lançamentos de notas diversas vezes, os 1100
alunos que eu “não conheço”, o salário extremamente baixo, o ato de processar
professor que faz greve. Como se não bastasse, somos obrigados a trabalhar aos
sábados (mesmo sem os alunos) por causa dos dias perdidos com a Copa do Mundo,
até apanhar da polícia quando vamos às ruas reclamar por melhores condições de
trabalho...
Quando você ouvir falar nos motivos da
greve dos profissionais de educação, por favor se lembre disso".
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Texto: Marietta Baderna
Fonte: Midia Informal
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