"A Proclamação da República", tela de Benedito Calixto
Por Hugo Freitas
O processo histórico em que se
desenvolveu o fim do regime monárquico brasileiro e a ascensão da ordem
republicana no Brasil perpassa uma série de transformações em que se
vislumbra a chegada dos militares ao poder.
Com efeito, a proposta de um regime
republicano já vivia uma longa história manifestada em diferentes revoltas. Entre
muitas tentativas de transformação política, tem-se desde a Inconfidência Mineira, liderada por Tiradentes (veja aqui) até a Revolução Farroupilha (1835-1845), que foi o último movimento a levantar-se contra a monarquia no Brasil.
Destaca-se neste debate o
desenvolvimento do processo de industrialização e o crescimento da
cafeicultura, enquanto fatores de mudança sócio-econômica e de fortalecimento das elites agrárias do país, que acumularam cada vez mais capital político para influir nas decisões dos rumos que o Brasil viria a seguir, particularmente pressionando a monarquia por maior inserção nos debates dos assuntos nacionais.
É sabido que as
classes médias urbanas e os cafeicultores do Oeste paulista buscavam ampliar
sua participação política, conquistada pelo prestígio econômico que adquiriram, através de uma nova forma de governo contrária aos interesses da monarquia, uma vez que a concentração de poder em torno da figura do Imperador impedia a ascensão de classes emergentes no jogo político de outrora.
Ao mesmo tempo, os militares que saíram
vitoriosos da Guerra do Paraguai (1864-1870) se aproximaram de um tipo de
pensamento que advogava um governo republicano centralizador, o mesmo compartilhado pelas elites políticas e econômicas do país não diretamente alinhadas à monarquia de Pedro II.
Além dessa demanda por transformação
política, destaca-se ainda a campanha abolicionista que começou a propagar uma
intensa propaganda contra o regime monárquico.
Vários entusiastas da causa
abolicionista relacionavam os entraves do desenvolvimento nacional às
desigualdades de um tipo de relação de trabalho legitimado pelas mãos do Imperador Dom
Pedro II. Dessa forma, o "fim da monarquia" cristalizou-se como um
discurso da emergente elite agrária como opção viável para muitos dos que
combatiam a mão de obra escrava.
Observa-se que os mais proeminentes
intelectuais e destacados membros da elite agroexportadora nacional não
mais apoiavam a monarquia. Essa perda de sustentação política junto às classes elitistas do país pode ser ainda
explicada na promulgação de duas leis. Em 1850, a
lei "Eusébio de Queiroz" proibiu o tráfico internacional de escravos, que acabou por cair na "clandestinidade", encarecendo o uso desse tipo de força de trabalho e estimulando o trânsito comercial interno entre as províncias. Naquele mesmo ano, a "lei de Terras" preservava a
economia nas mãos dos grandes proprietários de latifúndio.
O conjunto dessas transformações ganhou
maior força a partir de 1870, quando os republicanos se organizaram em um
partido e publicaram suas ideias no "Manifesto Republicano". Naquela altura, os
militares se mobilizavam contra os amplos poderes de D. Pedro II, e ainda viriam a contar com o apoio da Igreja Católica, que se revoltou contra a monarquia após ter suas medidas contra a influência de maçons no espaço religioso anuladas pelo monarca.
No ano de 1888, a abolição da
escravidão promovida através da assinatura da "Lei Áurea" pela princesa
Isabel deu o último suspiro à monarquia brasileira, numa tentativa de
satisfazer os interesses da classe média abolicionista e garantir a preservação
de seu poder absolutista.
Contudo, a libertação dos escravos
acabou por fortalecer o movimento abolicionista em todo o país e se espraiou
para diversos setores da sociedade brasileira, que viam na abolição a
oportunidade de destituir o poder da monarquia nacional "em nome da liberdade".
Os clubes republicanos já se espalhavam
em todo o país e naquela mesma época muitos cogitavam a hipótese da intenção de Dom Pedro II em reconfigurar os quadros da Guarda Nacional. E é aí que o Exército entra em cena.
Marechal Deodoro da Fonseca, líder do Exército brasileiro que depôs a monarquia de Dom Pedro II
A ameaça de deposição e mudança dentro
do Exército Nacional serviu de motivação suficiente para que o Marechal Deodoro da
Fonseca agrupasse as tropas do Rio de Janeiro e invadisse o Ministério da
Guerra. Segundo alguns historiadores, os militares pretendiam inicialmente exigir apenas a mudança do ministro. No entanto, a ameaça militar acabou por dissolver o gabinete imperial e proclamar a República. O Imperador Dom Pedro II se resignou em fugir de volta à Portugal, escoltado pelos próprios militares golpistas.
Contando com o apoio das classes elitistas urbanas e das forças agrárias do país, além de setores conservadores da Igreja Católica, o golpe militar promovido em 15 de
novembro de 1889 pelo Exército brasileiro foi reafirmado e legitimado "em nome do
povo", com a proclamação civil de integrantes do Partido Republicano na
Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.
Ao contrário do que aparentou, a Proclamação da República se constituiu como o corolário de um governo imperial que não mais possuía base de
sustentação política, não contava com o apoio das classes econômicas dominantes, nem de consentimento popular, que
assistiu a tomada do poder pelos militares do Exército Nacional de forma
bestializada, segundo observou o historiador José Murilo de Carvalho.
Assim, o "povo brasileiro" esteve sempre alijado do processo de transformação política em curso, sendo inserido no debate apenas como instrumento discursivo dos dirigentes das forças armadas, que se utilizaram demasiadamente do expediente "em nome do povo" como instrumento legitimador de suas ações e de conquista e manutenção do poder dominante para as elites político-econômicas brasileiras.
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