Por Hugo Freitas
Já está nas bancas o livro do jornalista Amaury Riberio Júnior sobre “A Privataria Tucana”, resultado
de 12 anos de trabalho do premiado repórter, que durante a campanha eleitoral
do ano passado foi acusado de participar de um grupo cujo objetivo era quebrar
o sigilo fiscal e bancário de políticos tucanos.
Ribeiro Jr. acabou indiciado
pela Polícia Federal e tornou-se involuntariamente personagem da disputa
presidencial de 2010.
Na edição que chega às bancas, a revista Carta Capital traz um relato exclusivo e minucioso do conteúdo do
livro de 343 páginas publicado pela Geração Editorial e uma entrevista com
autor (reproduzida abaixo).
A obra apresenta documentos inéditos de lavagem de
dinheiro e pagamento de propina, todos recolhidos em fontes públicas, entre
elas os arquivos da CPI do Banestado. José Serra é o personagem central dessa
história. Amigos e parentes do ex-governador paulista operaram um complexo
sistema de maracutaias financeiras que prosperou no auge do processo de
privatização.
Ribeiro Jr. elenca uma série de
personagens envolvidas com a “privataria” dos anos 1990, todos ligados a Serra,
aí incluídos a filha, Verônica Serra, o genro, Alexandre Bourgeois, e um sócio
e marido de uma prima, Gregório Marín Preciado.
Mas quem brilha mesmo é o
ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, o economista Ricardo
Sérgio de Oliveira. Ex-tesoureiro de Serra e FHC, Oliveira, ou Mister Big, é o
cérebro por trás da complexa engenharia de contas, doleiros e offshores criadas
em paraísos fiscais para esconder os recursos desviados da privatização.
O livro traz, por exemplo, documentos
nunca antes revelados que provam depósitos de uma empresa de Carlos Jereissati,
participante do consórcio que arrematou a Tele Norte Leste, antiga Telemar,
hoje OI, na conta de uma companhia de Oliveira nas Ilhas Virgens Britânicas.
Também revela que Preciado movimentou 2,5 bilhões de dólares por meio de outra
conta do mesmo Oliveira. Segundo o livro, o ex-tesoureiro de Serra tirou ou
internou no Brasil, em seu nome, cerca de 20 milhões de dólares em três anos.
A Decidir.com, sociedade de Verônica
Serra e Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, também se valeu do
esquema. Outra revelação: a filha do ex-governador acabou indiciada pela
Polícia Federal por causa da quebra de sigilo de 60 milhões de brasileiros. Por
meio de um contrato da Decidir com o Banco do Brasil, Verônica teve acesso de forma ilegal a
cadastros bancários e fiscais em poder da instituição financeira.
Na entrevista a seguir, Ribeiro Jr.
explica como reuniu os documentos para produzir o livro, refaz o caminho das
disputas no PSDB e no PT que o colocaram no centro da campanha eleitoral de
2010 e afirma: “Serra sempre teve medo do que seria publicado no livro”.
Carta Capital: Por que você decidiu
investigar o processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso?
Amaury Ribeiro Jr.: Em 2000, quando eu
era repórter de O Globo, tomei gosto pelo tema. Antes, minha área da atuação
era a de reportagens sobre direitos humanos e crimes da ditadura militar. Mas,
no início do século, começaram a estourar os escândalos a envolver Ricardo
Sérgio de Oliveira (ex-tesoureiro de campanha do PSDB e ex-diretor do Banco do
Brasil). Então, comecei a investigar essa coisa de lavagem de dinheiro. Nunca
mais abandonei esse tema. Minha vida profissional passou a ser sinônimo disso.
CC: Quem lhe pediu para investigar o
envolvimento de José Serra nesse esquema de lavagem de dinheiro?
ARJ: Quando comecei, não tinha esse
foco. Em 2007, depois de ter sido baleado em Brasília, voltei a trabalhar em
Belo Horizonte, como repórter do Estado de Minas. Então, me pediram para investigar
como Serra estava colocando espiões para bisbilhotar Aécio Neves, que era o
governador do estado. Era uma informação que vinha de cima, do governo de
Minas. Hoje, sabemos que isso era feito por uma empresa (a Fence, contratada
por Serra), conforme eu explico no livro, que traz documentação mostrando que
foi usado dinheiro público para isso.
CC: Ficou surpreso com o resultado da
investigação?
ARJ: A apuração demonstrou aquilo que
todo mundo sempre soube que Serra fazia. Na verdade, são duas coisas que o PSDB
sempre fez: investigação dos adversários e esquemas de contrainformação. Isso
ficou bem evidenciado em muitas ocasiões, como no caso da Lunus (que derrubou a
candidatura de Roseana Sarney, então do PFL, em 2002) e o núcleo de
inteligência da Anvisa (montado por Serra no Ministério da Saúde), com os
personagens de sempre, Marcelo Itagiba (ex-delegado da PF e ex-deputado federal
tucano) à frente. Uma coisa que não está no livro é que esse mesmo pessoal
trabalhou na campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, mas sob o comando
de um jornalista de Brasília, Mino Pedrosa. Era uma turma que tinha também Dadá
(Idalísio dos Santos, araponga da Aeronáutica) e Onézimo Souza (ex-delegado da
PF).
CC: O que você foi fazer na campanha de
Dilma Rousseff, em 2010?
ARJ: Um amigo, o jornalista Luiz
Lanzetta, era o responsável pela assessoria de imprensa da campanha da Dilma.
Ele me chamou porque estava preocupado com o vazamento geral de informações na
casa onde se discutia a estratégia de campanha do PT, no Lago Sul de Brasília.
Parecia claro que o pessoal do PSDB havia colocado gente para roubar
informações. Mesmo em reuniões onde só estavam duas ou três pessoas, tudo
aparecia na mídia no dia seguinte. Era uma situação totalmente complicada.
CC: Você foi chamado para acabar com os
vazamentos?
ARJ: Eu fui chamado para dar uma
orientação sobre o que fazer, intermediar um contrato com gente capaz de
resolver o problema, o que acabou não acontecendo. Eu busquei ajuda com o Dadá,
que me trouxe, em seguida, o ex-delegado Onézimo Souza. Não tinha nada de
grampear ou investigar a vida de outros candidatos. Esse “núcleo de
inteligência” que até Prêmio Esso deu nunca existiu, é uma mentira deliberada.
Houve uma única reunião para se discutir o assunto, no restaurante Fritz (na
Asa Sul de Brasília), mas logo depois eu percebi que tinha caído numa
armadilha.
CC: Mas o que, exatamente, vocês
pensavam em fazer com relação aos vazamentos?
ARJ: Havia dentro do grupo de Serra um
agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que tinha se desentendido
com Marcelo Itagiba. O nome dele é Luiz Fernando Barcellos, conhecido na
comunidade de informações como “agente Jardim”. A gente pensou em usá-lo como
infiltrado, dentro do esquema de Serra, para chegar a quem, na campanha de
Dilma, estava vazando informações. Mas essa ideia nunca foi posta em prática.
CC: Você é o responsável pela quebra de
sigilo de tucanos e da filha de Serra, Verônica, na agência da Receita Federal
de Mauá?
ARJ: Aquilo foi uma armação, pagaram
para um despachante para me incriminar. Não conheço ninguém em Mauá, nunca
estive lá. Aquilo faz parte do conhecido esquema de contrainformação, uma
especialidade do PSDB.
CC: E por que o PSDB teria interesse em
incriminá-lo?
ARJ: Ficou bem claro durante as
eleições passadas que Serra tinha medo de esse meu livro vir à tona. Quando se
descobriu o que eu tinha em mãos, uma fonte do PSDB veio me contar que Serra
ficou atormentado, começou a tratar mal todo mundo, até jornalistas que o
apoiavam. Entrou em pânico. Aí partiram para cima de mim, primeiro com a
história de Eduardo Jorge Caldeira (vice-presidente do PSDB), depois, da filha
do Serra, o que é uma piada, porque ela já estava incriminada, justamente por
crime de quebra de sigilo. Eu acho, inclusive, que Eduardo Jorge estimulou essa
coisa porque, no fundo, queria apavorar Serra. Ele nunca perdoou Serra por ter
sido colocado de lado na campanha de 2010.
CC: Mas o fato é que José Serra
conseguiu que sua matéria não fosse publicada no Estado de Minas.
ARJ: É verdade, a matéria não saiu. Ele
ligou para o próprio Aécio para intervir no Estado de Minas e, de quebra,
conseguiu um convite para ir à festa de 80 anos do jornal. Nenhuma novidade,
porque todo mundo sabe que Serra tem mania de interferir em redações, que é um
cara vingativo.
Para saber outras informações sobre o conteúdo do livro "A Privataria Tucana", clique aqui.
Para saber outras informações sobre o conteúdo do livro "A Privataria Tucana", clique aqui.
Com informações da revista Carta Capital
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