quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

MOBILIDADE URBANA: TRANSPORTE COLETIVO É PARA TODOS???


Prezado leitor, trazemos para vossa apreciação um interessante artigo sobre a questão da Mobilidade Urbana nas sociedades capitalistas.

O texto ora publicado, de linguagem acessível (diria até "tragicômica"), que explicita o olhar de seu autor sobre a cidade e os meios de transporte de São Luís, oferece a oportunidade de se discutir e refletir sobre um problema bastante atual nas sociedades que buscam alternativas e melhorias para um trânsito cada vez mais caótico e desumano. Boa leitura!!!

INDO E VOLTANDO - Transporte coletivo é para todos?

Por Irinaldo Lopes Sobrinho Segundo

Deveria ser. Até para que os coletivos urbanos fizessem jus ao nome que têm. A palavra "ônibus" vem de "omnibus", que em latim significa "para todos". Mas a realidade é que a maioria dos passageiros de ônibus só utiliza esse meio de transporte, se espremendo, se acotovelando, se cheirando e se pisando, por quatro razões.

Primeira. Não têm carro. Na nossa cultura, quando uma pessoa passa a ser proprietária de um automóvel, ela também passa a integrar um grupo diferenciado. É como se passasse a ser gente. Os homens ficam mais bonitos e atraentes. As mulheres ficam mais independentes e corajosas. É por isso que o carro é o bem de consumo mais desejado. E não seria a casa própria? Não, definitivamente. Ter uma casa até que é bom. Mas ela só fica parada, enraizada no seu terreno. Não dá pra sair por aí mostrando para todos. E, então, que graça tem? Com o carro é diferente. Ser proprietário de um automóvel é um atestado de vitória. "Olha só. Fulano(a) tá de carro! Parabéns!!!". Pelo mesmo motivo, não existe derrota social maior que a perda do automóvel, por roubo, acidente ou, vergonha das vergonhas, por falta de dinheiro para sustentá-lo. "Olha só. Fulano(a) tá sem carro. Ô lástima. Se junte aos pobres, amigo(a)". Só existe uma coisa pior que não ter carro. É ter e... perder. E é assim mesmo que o(a) ex-proprietário(a) passa a ser visto(a): como um(a) perdedor(a). Perdem-se, juntamente com o carro, a admiração dos familiares, a paciência e o interesse das namoradas, o respeito dos amigos, e a aura de ser extraordinário, que pairava acima da superfície terrestre e despertava olhares de inveja por onde passava. (Já perceberam os olhares que os passageiros de ônibus lançam pelas janelas para as pessoas que estão passando no automóvel ao lado? É uma mistura de olhar de cachorro vira-lata com fome parado na frente de uma máquina de galetos com aquele olhar de presidiário inocente mirando o sol pelas grades da prisão).

Segunda. Não têm moto. Numa espécie de escala evolutiva da raça humana, em relação à autonomia de deslocamento, o proprietário de uma moto está logo atrás do dono de um carro. É por isso que nas cidades menores, de economia mais acanhada, a primeira coisa que as pessoas compram quando passam a ganhar mais de um salário mínimo é uma moto. De preferência uma daquelas de 125 cilindradas ou uma daquelas scooters. O importante é que seja econômica. É óbvio que comprar uma moto muito potente - o que significa "muito cara" - não é para qualquer um. Geralmente, quem tem uma moto com mais de 450 cilindradas tem também um carro e usa a moto só por diversão. Aí já é outro assunto. O título de propriedade de uma moto, dessas mais simples mesmo, é uma espécie de carta de alforria. Pode até ser uma liberdade relativa, já que não dá pra dar carona para mais de uma pessoa, nem dá pra carregar todos aqueles objetos desnecessários que os donos de automóveis sempre levam consigo, espalhados sobre o banco traseiro ou no porta-malas. Mas, convenhamos, já é uma liberdade. Pelo menos a pessoa não vai ter que ficar se espremendo no corredor de um coletivo. Por outro lado, vai ficar se espremendo no corredor dos congestionamentos urbanos. No frigir dos ovos (literalmente, se for um motoqueiro), tem gente que prefere um milhão de vezes correr o risco de ser atropelado, xingado, enlameado, cortado e abalroado em cima de uma moto a se enclausurar por livre e espontânea vontade naquelas gaiolas gigantes que são chamadas de ônibus.

Terceira. Não têm dinheiro para andar de táxi. Essa provavelmente é uma das possibilidades de deslocamento mais prazerosa, confortável e... cara. Só para entrar e sentar a pessoa já paga mais de 3 reais. Alguém que ande de táxi cinco dias na semana, em percursos regulares de 10 quilômetros, com certeza gasta, ao final de um mês, o suficiente para pagar a prestação de um carro popular. Ou seja: quem anda de táxi usa esse meio porque quer. Não porque não tem dinheiro para comprar um automóvel próprio. Afinal de contas, andar de táxi tem muitas vantagens: você pode ir quase deitado no banco de passageiro e não se preocupa com estacionamentos, flanelinhas, riscos na lataria, desgastes das peças, danos à suspensão etc. Além de ter que pagar a corrida, geralmente salgada, a única desvantagem é que nem sempre você consegue um táxi na hora que precisa. Mas quem disse que usuário de ônibus tem um coletivo à sua disposição na hora da precisão? Corre até o risco de o “motora” passar propositadamente em cima de uma poça de lama e deixá-lo em um estado lastimável... além de atrasado.

Quarta. Não consegue ver a bicicleta como um meio de transporte. Essa incapacidade visual não é privilégio dos usuários de ônibus. Na verdade, todas as pessoas que nunca utilizaram uma bicicleta como meio de transporte em algum momento de suas vidas possuem uma anomalia na retina que compromete suas capacidades de enxergar o óbvio: a bicicleta é um meio de transporte. Tanto é assim que em países como Dinamarca, Holanda, Alemanha, boa parte dos deslocamentos urbanos são feitos por ciclistas. Em alguns casos, como em Amsterdam, capital holandesa, mais de 60% das viagens diárias são feitas em cima dos selins de uma bicicleta. Detalhe: vale lembrar que os países citados pertencem àquilo que antigamente se chamava “primeiro mundo”, o que significa que, neles, as desigualdades sociais são reduzidas e as pessoas têm muitas outras formas de deslocamento disponíveis. Têm carro, têm moto, têm dinheiro para andar de táxi, têm metrô. E ainda assim muitas preferem andar de bicicleta. Por quê? Porque ela é barata, de fácil manutenção, não emite CO², não usa combustível, não paga impostos, não ocupa muito espaço nas vias, faz bem à saúde, exercita os músculos, amplia a capacidade respiratória, não gera poluição sonora, é reciclável etc etc etc. Disso, tudo mundo já sabe. Mas, mesmo assim, na nossa sociedade, o usuário da bicicleta como meio de transporte tem relacionadas a si, muitas vezes, duas imagens depreciativas: ou é um pobre peão lascado miserável ignorante que não tem dinheiro nem para pagar a passagem do ônibus; ou é um louco kamikase excêntrico anárquico que não tem amor à vida e por isso se arrisca em transitar em uma cidade sem ciclovias adequadas.

É inegável que andar de ônibus, na nossa sociedade, não é para todos. É também inegável que adotar a bicicleta como meio de transporte exige precauções e esclarecimentos. E é mais inegável ainda (se é que isso é possível) que os problemas de mobilidade urbana afetam a todos, indiscriminadamente, esteja você dentro de um carro, em cima de uma moto, no banco de passageiro de um táxi, no corredor de um ônibus ou no selim de uma bicicleta.

2 comentários:

  1. Boa noite admirável jornalista Hugo Freitas, belísso texto. Na entrelinha disse, que no Estado brasileiro, até a engenharia de transito, marginalizou os que andam de bicicleta. Na entrelinha disse que estamos vivento uma engenharia de transito que discrimina e não sabe separar as coisa. Separar as mercadorias é uma especialidade até de feirantes. Vejo no seu texto uma proposta viável, foi o que eu deduzi, vivemos separados em classe socias, justo seria separar também os caminhos! Abraços. Reinaldo Cantanhêde Lima

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  2. Grato pela participação, Reinaldo.
    Abraços.

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Grato pela participação.