É impressionante a repercussão "negativa" nas redes sociais sobre o desfile da Beija-Flor que abordou os 400 anos de São Luís, no último domingo (19), na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro.
A Beija-Flor surpreendeu e "frustrou" o público que aguardava com ansiedade um desfile das tradições aristocráticas e turísticas esculpidas pelas elites dominantes de São Luís.
Os "críticos de plantão" que apontaram um "péssimo" desfile da escola colocam tudo culpa no enredo, como se ele tivesse vida própria. Muitos esquecem que a escolha do samba-enredo foi feita após um concurso, no qual inúmeras propostas foram avaliadas.
Como a Beija-Flor poderia apresentar algo diferente de um samba-enredo que foi eleito democraticamente para ser apresentado na Sapucaí em outubro do ano passado?
A maioria dos "críticos" sobre o já polêmico desfile da escola de Nilópolis aponta uma exacerbação, um exagero da Beija-Flor em privilegiar as contribuições da cultura negra-africana escravizada em detrimento de outros elementos "característicos" da cultura ludovicense.
Além disso, criticam com veemência a merecida homenagem da escola à Joãosinho Trinta. Logo ele, falecido no final do ano passado, que fez do carnaval carioca o que hoje ele é (produto turístico) e que, por isso mesmo, se tornou conhecido e reconhecido por sua terra natal e seus conterrâneos.
Talvez, se não fosse o Joãosinho Trinta, este texto não teria nem sua razão de ser, muito menos as expectativas frustradas da população ludovicense e as críticas dedicadas à Beija-Flor pelos internautas maranhenses.
Mas aí vem a pergunta que incomoda aqueles que não estão abertos ao diálogo e ao debate salutar de ideias e do contraditório: Qual a cultura que o "povo" gostaria de ver na Marquês de Sapucaí?
Aquela propalada aos quatro cantos do mundo como a "Atenas Brasileira"? A terra berço e celeiro de poetas e intelectuais? Aquela dos telhados e casarões, Patrimônio da Humanidade, quase todos caindo aos pedaços por falta de preservação e de conscientização das autoridades?
Ou aquela que experimentou a revolta dos negros balaios, na célebre "Balaiada"? Ou aquela que se levantou contra a corrupção do judiciário maranhense na conhecida "Greve de 51", que fez São Luís ser conhecida também como "Ilha Rebelde"?
Quantos queriam ver a cognominada "Jamaica Brasileira", sem saber que o mesmo reggae venerado nos dias atuais surgiu nos guetos e bairros periféricos da cidade e que, posteriormente, se tornou produto "tipo exportação", atingindo todas as esferas sociais da capital, inclusive as mais abastadas, assim como o Bumba-Meu-Boi, perseguido e reprimido ontem e patrimônio imaterial hoje?
Quantos queriam ver a cognominada "Jamaica Brasileira", sem saber que o mesmo reggae venerado nos dias atuais surgiu nos guetos e bairros periféricos da cidade e que, posteriormente, se tornou produto "tipo exportação", atingindo todas as esferas sociais da capital, inclusive as mais abastadas, assim como o Bumba-Meu-Boi, perseguido e reprimido ontem e patrimônio imaterial hoje?
A razão prática disso é que não se pode falar de tudo. É necessário um recorte, o que implica escolhas e renúncias. E numa escola de samba, reconhecidamente de tradição negra-africana, cujo intérprete se chama "Neguinho da Beija-Flor", não haveria motivo para tal espanto.
Mas por que o espanto com uma cidade que foi construída historicamente com o suor e o sangue derramados de uma população pobre, com mais de 80% de analfabetos e composta por ampla maioria de negros africanos escravizados, desde a Colônia até o advento da República?
Porque NÃO. Essa história ninguém quer ver nem conhecer. É feia. É suja. E a "sujeira" no Brasil tem cor, principalmente no Maranhão dos hipócritas de plantão. É preferível vangloriar-se com sinhá Dona Ana Jansen, mulher rica, branca, aristocrata, que surrava seus escravos a esmo ou com as lendas da Serpente Encantada e de D. Sebastião (outro nobre) a contemplar um pedaço da história do Estado, que muitos querem negar, passando na telinha da Globo para o mundo inteiro ver.
Mais interessante ainda é perceber que a maioria dos "críticos de plantão" são brancos, pertencentes às camadas mais aquinhoadas da população ludovicense, com acesso a internet. Alguns são intitulados de "jornalistas" que se quer se preocupam em investigar a história da cidade que intentam defender em suas linhas textuais. Outros são "acadêmicos" que ao expressarem seu "desapontamento" com a Beija-Flor parecem querer colocar para debaixo do tapete a história que incomoda, a história que não vende, a história que não atrai turistas.
Não satisfeitos, querem encontrar "culpados" por não terem visto os "encantos e belezas naturais" de São Luís, seus telhados, azulejos e casarões (grande parte em ruínas), seus poetas aristocratas pertencentes à mais alta elite política e intelectual do Estado, cuja obra desde pequeninos tiveram que engolir forçosamente, mas que agora, na maior idade, reproduzem com tamanho empenho e preconceito que chega a dar asco.
Foi uma grata surpresa contemplar que os carnavalescos da Beija-Flor não se deixaram seduzir por essa história construída, fabricada, moldada e reivindicada como "legítima" de veneração, de memória, de identidade da cidade de São Luís, que em última análise, apenas favoreceram as posições dominantes de quem ainda se mantém no poder político do Maranhão.
Foi um "tapa-na-cara" de quem pagou e queria ver a "cultura letrada" cantada e as ruínas do Centro Histórico desfilando na Avenida e se abismou com as contribuições históricas e sociais da cultura afro que compuseram a história de São Luís, com muito sangue e suor.
E o tal "espanto" nada mais é do que a ignorância de quem desconhece a sua própria história, ou teima e finge em não querer conhecer.
E o tal "espanto" nada mais é do que a ignorância de quem desconhece a sua própria história, ou teima e finge em não querer conhecer.
Sem entrar no mérito da questão do repasse de 10 milhões de verba do Governo do Estado (muito para uma escola de samba em relação às necessidades mais prementes da população que sofre com a falta de médicos e materiais nos hospitais e de professores qualificados e bem remunerados nas salas de aulas), o que se viu na Sapucaí foi a demonstração de que a História é contada sob diversos ângulos. E este, escolhido pela escola de Nilópolis, não agradou nem a gregos nem a troianos e, provavelmente, também não deve ter agradado aos seus "padrinhos" milionários, principais difusores da cultura letrada e aristocrata do Maranhão.
Parabéns, Beija-Flor!!!
Hugo Freitas
Historiador, Sociólogo e Jornalista
Compartilho em parte de sua perspectiva, Hugo, mas não faria uma defesa tão veemente, justamente porque não consigo deixar de entrar no mérito da gastança governamental.
ResponderExcluirTalvez possamos comparar o conjunto da obra da Beija Flor ao Maranhão 66 de Glauber Rocha, quando o Sarney pai patrocinou a filmografia de sua posse, isto porque sempre há uma margem de liberdade aos artistas.
Mas não esqueça que esta margem de liberdade aqui no maranhão é muito restrita, quem está com o grupo Sarney tem facilidades, acessos, recursos, quem não está tem que ralar muito, posso dizer como filho de um artista.
Um abraço, acompanharei seu blog.
Saulo Carneiro de Oliveira, pretenso historiador e jurista.
A perspectiva foi justamente de tentar fugir desse "lugar-comum", Saulo, tão denunciado por quase todos os demais veículos de comunicação e mídias alternativas. Não quis reificar o que muitos já sabiam. Por isso, a proposta foi de problematizar a "estranheza" e o "espanto" do público maranhense diante de uma história contada sob o ponto de vista dos negros africanos escravizados em detrimento da história dos letrados e intelectuais pertencentes às camadas elitistas da sociedade ludovicense.
ExcluirÉ uma satisfação tê-lo como leitor deste blog. Obrigado!
Abraços.
Concordo em gênero, número e grau com o que vc descreveu. Contudo, acredito que assim como são luís, outras cidades brasileiras tem sua mazelas, e como tem...isso nao impede do belo e deaquilo que é bom ser mostrado. Falar bem não é negar a história. A História não é feita só de tragédias. Enfim, Nota 10 para a Beija-Flor e Nota 1000 para São Luis.
ResponderExcluirQuestões para se refletir sobre o seu comentário: O que é o "bom" e o "belo"? Quem define esse "belo" digno de ser mostrado? Contar uma história sob o ponto de vista dos escravos não pode ser considerado "belo" e "bom"?
ExcluirSua participação foi bastante interessante, pois ofereceu condições para repensarmos uma vez mais nossos posicionamentos. Obrigado!
Abraços.
Os resultados estão aí: A Beija-Flor terá de se contentar com um indesejado 4º lugar e São Luís (infelismente), continuará no ostracismo, refém de uma gangue politiqueira.Até quando???
ExcluirContinuarei acompanhando seu Blog.
Abraço.
Entre a vitória e a derrota creio ter ficado um importante aprendizado: a história contada pela Beija-Flor não agradou a ninguém, muito menos a seus "padrinhos milionários", que pagaram por uma coisa e viram outra.
ExcluirComo disse, no final do artigo: "O que se viu na Sapucaí foi a demonstração de que a História é contada sob diversos ângulos. E este, escolhido pela escola de Nilópolis, não agradou nem a gregos nem a troianos e, provavelmente, também não deve ter agradado aos seus "padrinhos" milionários, principais difusores da cultura letrada e aristocrata do Maranhão".
Muito grato pela participação e pela credibilidade.
Abraços.
A beija flor só queria era sambar com os 10 milhões do povo maranhense.
ResponderExcluirAdelson
Grato pela participação, Adelson.
ExcluirAbraços.
Bom dia Hugo freitas, que belo texto. Quanto aos casarões que fazem de São Luís o patrimonio da Humanidade. Ao meu ver, é manutenção de um período que não tenho saudade, nos casarões habitavam os escravocratas, os senhores, como bem lembrastes a Ana jansem e, nada mais que um período que eu prefiro esquecer! Abraços. Reinaldo Cantanhêde Lima
ResponderExcluirObrigado, Reinaldo, pelos elogios e pela participação.
ExcluirOs casarões de São Luís são a prova material da opulência ostentada na cidade pelos nobres e escravocratas dos séculos XVIII e XIX. Essa é apenas uma das perspectivas que se pode contar a história de São Luís, porém é a mais conhecida, venerada e propagandeada.
Abraços.
Pode até ser, mas o samba não foi escolhido democraticamente... como de costume no Maranhão, a democracia é forjada. O Samba vencedor é do filho do neguinho da beija-flor, e o samba vencedor aqui em São Luis passou por outra eliminatória que não estava prevista antes... e quem decidiu quem iria daqui foi o Secretário de Cultura, Bulcão.
ResponderExcluirEu achei o samba do Neto Peperí, Quirino e turma muito mais belo que o vencedor... mas foi jogo de cartas marcadas
Grato pela participação e pelas informações, Lucena.
ExcluirMuito estranho mesmo a intervenção de Bulcão, já que o concurso é que deveria ser o crivo do samba-enredo a ser defendido na Sapucaí.
Abraços.
Meus sinceros parabéns pela matéria Hugo Freitas. Sucesssooooooo
ResponderExcluirGrato pelos elogios e pela participação, Moreira.
ExcluirSucesso para nós!!! Abraços.
A história negra de São Luís tem mesmo que ser mostrada. É de lá que viemos todos. Mas não vejo de que forma ela foi privilegiada no desfile. As informações estavam jogadas, os apresentadores da Rede Globo - que deviam fazer a conexão para o público que acompanhava pela televisão - pareciam não fazer mesmo ideia do que estavam falando.
ResponderExcluirA Casa das Minas, o terreiro mais antigo de São Luís - salvo engano - fundado por escravos, recebeu o nome de Casa DE Minas, lugar que, imagino eu, fica em Belo Horizonte. Bem como o 'Boi Bumbá' e um monte de outras baboseiras.
Falar da cidade sem compromisso não nos serve de nada, nem de lixo. Mais valioso seria pensar em projetos para que a história fosse vivida em sala de aula, que as pessoas soubessem do que falam, aonde moram, por que existem tais casas, como começaram, entre outros.
O sentimento que ficou é de tristeza por uma história tão confusa apresentada. E tu falas do enredo escolhido, mas nos tempos de hoje, quem acredita na veracidade de qualquer concurso 'democrático' em São Luís? Falta estômago para descer esse enredo. Onde será que fica MEU São Luís? Não alcanço uma localização geográfica.
Esse dito 'tapa na cara' que passou por aí não fez nem cócegas acá. Mas aquela angústia que pode dar gastrite por ver que está difícil mesmo mudar qualquer coisa por aqui não 'arreda pé'.
Para falar de Joazinho Trinta (que se tornou muito arrogante quanto ao Maranhão já faz tempo) é preciso antes falar de João do Vale, negro, pobre, grande compositor que morreu na miséria.
Camila, como disse no final do artigo: "O que se viu na Sapucaí foi a demonstração de que a História é contada sob diversos ângulos. E este, escolhido pela escola de Nilópolis, não agradou nem a gregos nem a troianos e, provavelmente, também não deve ter agradado aos seus "padrinhos" milionários, principais difusores da cultura letrada e aristocrata do Maranhão."
ExcluirDa mesma forma, não pude contemplar no texto todas as críticas e os pontos de discussão levantados por você, amplamente pertinentes.
Creio que os "joões", os "antônios", "josés" e "marias" maranhenses podem, sim, perfeitamente, terem contribuído para a cultura local (vide exemplos Dona Teté e mestre Antônio Vieira) e não serem contemplados pela escola. A discussão gira justamente em torno disto: quais os critérios que determinam o que deve e o que não deve ser contado e mostrado na avenida, uma vez que não dá para se falar de tudo num desfile de carnaval?
A expectativa de muitos era de ver aquilo o que a história tradicional contada pelos "letrados" maranhenses nos legou: franceses, casarões, "lendas, magias e mistérios", poetas, intelectuais e o próprio Sarney, que sequer foi mencionado. Já que o governo de sua filha patrocinou a escola, não seria nenhum espanto vê-lo até mesmo desfilando na avenida, considerando-se que ele já foi governador do Maranhão e presidente da Academia Maranhense de Letras.
Meus elogios à Beija-Flor não giraram em torno de "erros gramaticais", uma vez que nas obras de arte escrita existe o salvo conduto da "licença poética", nem sobre o que disseram os comentaristas globais, mas sim pela ousadia de uma escola que recebeu algo em torno de 10 milhões de reais pelo Governo administrado por Roseana Sarney, que queria ver uma coisa, mas acabou vendo outra, com o agravante de que a escola não recebeu nenhum 10 no quesito enredo.
Fico feliz e agradecido pela participação crítica com argumentações interessantes. Assim se constrói um bom debate. Obrigado! Abraços fraternos.
Mas, olha, o governo da Roseana já está muito detonado fora do Maranhão, muito mais do que aqui. Há pouco fiz uma viagem pro Rio de Janeiro e não passei um dia sequer sem ser abordada com essa temática. Partindo disso é que tenho a impressão de que falar do governo ou citar os Sarney seria um tiro no pé deles próprios, tenho a impressão, e digo IMPRESSÃO, de que haveria uma comoção geral - uma espécie de 'hola' de vaias.
ExcluirAté já
Camila, acabo de publicar outro artigo no blog onde abordo essa questão de um provável "tiro no pé", no qual o governo emitiu Nota elogiando o empenho da Beija-Flor. No fim das contas, ninguém ficou satisfeito.
ExcluirSempre às ordens. Aguardo novas participações. Abraços.
Gosteiii !! Parabens Hugo, Vou compartilhar.. o povo precisa ler tudo isso !!
ResponderExcluirGislâne
Obrigado, Gislâne. Fico feliz que tenha gostado.
ExcluirExtremamente grato pelos elogios e pela republicação.
Aguardo novas participações. Abraços fraternos.
- Parabenss Hugo!
ResponderExcluirGostei muito do que você escreveu !
Vou compartilhar, o povo precisar ler tudo isso..
Abraços Gislâne
Você deve ser a mesma "Gislâne" acima mencionada, não é isso?
ExcluirSe for, agradeço novamente pelo empenho em participar. Com certeza, deve ter acontecido algum problema, pois na mensagem acima aparece uma foto, e nesta que respondo, não.
Mais uma vez, obrigado!!!
Abraços fraternos.
Bom, gostaria de dizer que sou nilopolitana, torço pela Beija flor, desfilei no domingo e que fiquei muito triste em saber que a homenagem proposta não agradou. Mas agradeço à vc Hugo Freitas pelo texto maravilhoso por ter mostrado que não existe uma única maneira de se contar um fato.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo elogio, Mariah.
ExcluirO ato de se contar uma história, ainda mais uma cidade histórica como São Luís, implica sempre em escolhas e renúncias. Infelizmente, não se pode agradar a todos mesmo.
Parabéns à toda comunidade de Nilópolis que participou do desfile na avenida rendendo homenagens à nossa, apesar dos pesares, querida São Luís.
Grato pela participação. Abraços fraternos.
Conheci São Luís recentemente, e fiquei fascinado sobretudo pela herança afro que há na cidade. Mas preocupou-me as condições do centro histórico. Muito dinheiro para manter tudo em pé, e em boa forma. De maneira geral, nunca vi uma cidade que inspira tanta cultura. Que vocês possam, de forma paulatina, resolver todas as pendengas políticas e, de fato, tornarem-se reconhecidos no Brasil pelo grande povo que tem.
ResponderExcluirEsse é o nosso desejo, Sonielson.
ExcluirA cidade de São Luís, apesar de todos os problemas, respira e inspira cultura, possui excelentes pontos turísticos, culinária rica e diversificada e uma história surpreendente.
Visite-nos sempre que desejar.
Extremamente grato pela participação.