Prezado leitor, trago para vossa
apreciação um interessante artigo enviado por um leitor ao blog, que aborda de forma problematizadora as
relações e os privilégios entre gestores públicos e seus parentes. No texto o
autor reflete, à luz da filosofia grega, sobre os vínculos parentais na
realidade política de duas importantes cidades maranhenses: Timon e Caxias. Boa
leitura!
Hugo Freitas
Ser
governante ou ser parente-sócio de quem governa: o que é melhor?
Por Francinaldo
Morais¹
Nos momentos em que a realidade
apresenta desafios maiores que a minha capacidade de pensar sozinho, “volto” a
Grécia, com o intuito de ouvir e refletir com os antigos gregos. Saber deles,
fundamentalmente, o que ensinam sobre os homens em sociedade (a chamada vida na
pólis).
Neste ano de 2012, tenho me sentido
desafiado a entender o que se passa na cidade de Timon-MA e em Caxias-MA, onde
nasci, trabalho e resido, como pretexto para entender o mesmo fenômeno em
outras cidades. Percebo nessas duas realidades histórico-políticas condutas
humanas muito semelhantes.
Em Timon, considero os esforços da
prefeita Socorro Waquim, dirigidos para mantê-la no poder do município, por
intermédio do vereador Tales Waquim, sobrinho do seu marido, deputado Sétimo
Waquim. Em Caxias, observo o prefeito Humberto Coutinho, fazendo o que pode
para continuar no mando municipal, através do sobrinho Leo Coutinho, filho do
seu irmão Eugenio Coutinho, e o ex-prefeito Paulo Marinho, lutando para voltar
a prefeitura, em sociedade com o filho Paulo Jr . Outros exemplos poderiam ser
citados: o ex-prefeito Clodomir Rocha, com a esposa Luiza Rocha, prefeita de
São João do Sóter e, o mais emblemático de todos, o senador José Sarney, com a
filha Roseana Sarney, governadora do estado do Maranhão.
Na impossibilidade de refletir sem
nenhuma ajuda sobre o que acontece em comum nessas realidades humanas, busquei
a companhia do dramaturgo grego Sófocles (497-406 a. C.), um velho conhecido
dos tempos do teatro Sombras², mais precisamente as suas orientações políticas
presentes no texto cênico Édipo Rei.
O dramaturgo de Colono lançou mão das
personagens Édipo, rei de Tebas, e Creonte, cunhado deste, para construir a
descrição mais verossímil que conheço sobre os fundamentos morais da conduta de
um parente-sócio de governante, em todos os tempos e lugares. Conforme o enredo
sofocliciano, o deus Apolo, consultado por Édipo, esclareceu que o reino de
Tebas continuaria padecendo de terríveis calamidades, até que o criminoso do
antigo rei Laio fosse punido.
Como nenhum tebano nunca soube da
identidade do criminoso, o sábio Tiresias foi chamado à presença de Édipo. Diante
do rei, Tiresias declarou que ele mesmo, Édipo, era tal criminoso. Édipo,
enfurecido, acusou Tiresias de estar mancomunado com Creonte na elaboração de
tamanha infâmia, tendo em vista tomarem-lhe o trono.
Na presença de Édipo, seu cunhado
Creonte defendeu-se magistralmente, demonstrando-lhe a estupidez de tal conduta
e as infinitas vantagens de ser parente-sócio do rei tebano. Como um
perscrutador da alma humana, Sófocles acabou por nos descrever as motivações de
um parente-sócio de governante.
Vejamos o trecho lapidar, verbis: (...)
CREONTE – Não te tornarás a falar assim, se te resolveres a pensar
razoavelmente, como eu. Vê em primeiro lugar o seguinte: não achas que é
preferível, com poder igual, dormir tranquilo a dar ordens no meio dos
terrores? Por mim, sem dúvida, gosto mais de fazer o que fazem os reis do que
ser eu rei, e todo o homem avisado pensa de igual modo. Com efeito, tudo
obtenho de ti sem um receio e, se fosse rei, teria de fazer grande número de
coisas contra minha vontade. Como me poderia ser mais agradável reinar do que
permanecer poderoso e sossegado? Não sou louco a ponto de desejar outras coisas
além dos bens que me dão proveito: hoje todos me honram, todos são meus
amigos; os que desejam qualquer coisa de ti lisonjeiam-me, porque está nas
minhas mãos conseguirem o que querem. Para que havia eu de perder estas
vantagens? Para reinar? Seria uma ambição insensata, digna de um espírito
pervertido. (...) (Sófocles, 1988, p.42).
Os sentidos legados por Sófocles nos
levam a concluir que o poder do parente-sócio de governante pode ser igual ou
até superior ao do próprio governante (dependendo de fatores como descendência
ou ascendência parental). O parente-sócio é um privilegiado em relação aos
benefícios que o governo pode proporcionar. O parente-sócio não está no
governo, mas exerce uma parcela considerável do poder do governante. O
parente-sócio é um mediador eficaz, consegue do governante tudo o que quer ou
que querem que ele consiga. Por fim, ser parente-sócio de governante pode
oferecer mais vantagens que ser o titular do governo.
Alguns, que não concordarem comigo (na
verdade, com Sófocles!), poderão dizer: faltou considerar o deleite
intransferível do exercício do poder, a satisfação personalíssima de ser o
governante e a vaidade de ter as mãos beijadas por bajuladores, todos os dias.
A eles, observadores discordantes, respondo que se referem a aspectos para
outras reflexões (com outro grego, com certeza!).
___________
1- Professor de História e membro do
IHGC.
2- O Grupo Teatral Sombras permaneceu
ativo, em Caxias-MA, dos idos de 1980 aos idos de 1990. Representou a cidade
em encontros e festivais regionais de teatro com trabalhos como A Feira, de
Lourdes Ramalho, Mundaú, A Lagoa Assassinada, de Pedro Onofre, e Antígona, de
Sófocles.
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