Espanhóis ganham as ruas em busca de democracia
Por Mauro Santayana*
Os protestos populares na Espanha não diferem, em sua essência, dos que ocorreram e ocorrem nos países árabes.
Excluída a observação de que a Europa começa nos Pirineus, que tenta localizar historicamente a Península Ibérica na África, há mais do que a proximidade geográfica na semelhança entre os movimentos.
Se, no caso dos países árabes, muitos dos manifestantes se insurgem contra o poder pessoal, na Espanha esse protesto se dirige contra o sistema como um todo.
No capitalismo neoliberal, dominado por banqueiros corruptos, políticos corruptos, intelectuais corrompidos, e alguns poderosos meios de comunicação, pouco importa o partido que se encontre no poder: a ordem de domínio e de exploração é a mesma.
A ocupação das ruas não é nova na história. A possível desordem nas manifestações populares nem sempre é má. Muitas vezes é a expressão da ira dos justos. O padre Francisco Lage, de Belo Horizonte, ao ser questionado por liderar manifestações populares, no início dos anos 60, costumava dizer que muitas vezes é preciso a desordem das ruas, para que se imponha a ordem nas consciências.
Em uma dessas manifestações, em favor dos trabalhadores municipais havia meses sem receber, o padre montou um presépio humano na véspera do Natal, que se encenava, alternadamente, sob a marquise dos grandes bancos. Os banqueiros se reuniram e fizeram generoso empréstimo à Prefeitura, a fim de livrar-se da incômoda manifestação de fé.
Por mais que os meios de comunicação finjam não perceber o que tais manifestações anunciam, o povo está começando a sair às ruas, e às ruas sairão, em todas as latitudes e longitudes, em busca de uma vida mais humana.
As instituições estatais não podem continuar a serviço dos mais fortes, nessa promiscuidade escandalosa entre os que dominam o capital financeiro e os que ocupam os governos. Os grandes jornais norte-americanos não noticiam, como deveriam, os movimentos que, de forma discreta, por enquanto, começam a surgir naquele país, protestando contra a crescente e insuportável desigualdade social.
Ontem à noite (22), milhares de pessoas se reuniam na Porta do Sol, centro geográfico de Madri, convocados pelo movimento suprapartidário dos indignados, sob o lema de Democracia Real, Já. Não admitem que a crise econômica seja resolvida com o sacrifício dos trabalhadores, enquanto as corporações multinacionais, dominadas pelos grandes bancos – como algumas que nos exploram no Brasil – continuem beneficiadas pelo governo.
Hoje, são os “socialistas” que se empenham em favorecer o capitalismo neoliberal, como ontem foram os conservadores, dentro do sistema eleitoral vigente – parlamentarista e de listas fechadas, registre-se. Como disse o comentarista Iñaki Gabilondo, de El Pais, os partidos devem deixar a sua postura narcisista e entender o que se passa na sociedade real da Espanha. Terão que se refundar, com seriedade e urgência.
Enganam-se os que se encontram no poder. Se, em toda a História, o poder foi situação precária, sujeita às intempéries sociais, em nossos dias sua fragilidade é maior. A força da internet tornou veloz a mobilização dos inconformados e a explosão dos indignados.
Como bem comentou o jornalista Ramón Lobo, em seu blog acolhido por El País, “Madri não é Tahrir, mas o vírus é o mesmo: o fastio de uma juventude sem esperança - diante de um mercado minguante que se “moderniza” cortando direitos sociais e empregos - com o único horizonte de contratos imundos, de longa duração. Prevalece a voz oficial, a dos outros, a da linguagem burocratizada, a das entrevistas coletivas sem perguntas, a dos intocáveis”.
Frente aos superbilionários que, todos os anos, se reúnem em segredo, para dividir o mundo em novas colônias, a indignação das ruas é a legítima e necessária ação de defesa dos oprimidos. Em todas as latitudes.
*Mauro Santayana é jornalista e analista político
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