Por Hugo Freitas
Historiador e Sociólogo
Historiador e Sociólogo
Não é de se estranhar o fato de que os
veículos de comunicação no Brasil sempre assumam posicionamentos a favor do
"mais forte" em conflitos armados mundo afora.
Mas no caso específico das atuais
agressões entre israelenses e palestinos, é gritante e absurda a forma como os
programas jornalísticos abordam o tema.
Para clarificar a argumentação, desde que o
líder palestino Ahmed Al-Jaabari foi assassinado pelo exército de Israel, dando
início ao atual conflito na Faixa de Gaza, que já ceifou a vida de quase
duzentos palestinos, sendo a metade civis, e apenas seis israelenses, o "Jornal
Nacional" (JN) vem veiculando matérias que se detiveram apenas à reprodução dos
estigmas fabricados pelos israelitas.
Ao tratar de Israel, o JN resume-se a
abordar o Estado judaico como a "vítima" do conflito, sempre se
"defendendo" dos "ataques terroristas" dos árabes-palestinos. Por
sua vez, o grupo que governa legitimamente a Faixa de Gaza, o Hamas, é pincelado
como "o inimigo da paz", constituído por guerrilheiros que
"utilizam a população civil como escudo".
Tal construção textual das matérias
veiculadas no principal produto jornalístico da Rede Globo evidencia o caráter
detrator do JN em relação aos palestinos e reificador da legitimidade de defesa
do território israelense. Convém ressaltar que Israel é um Estado reconhecido pela Organização das Nações Unidas, enquanto que a Palestina não goza de tal "prestígio".
O absurdo da "falta de criticidade" da mídia nacional,
contudo, não se resume apenas ao JN. Assistindo ao "Bom Dia Brasil",
também da Globo, na semana em que os conflitos se intensificaram, os âncoras do
referido programa salientaram a "necessidade", sempre legítima, de "Israel
se defender dos ataques", negando assim o mesmo princípio de defesa
aos palestinos.
A versão adotada pela Globo em seus noticiários é a mesma produzida por Israel. Na versão judaica, balizada por toda imprensa nacional "tradicional", os conflitos são uma "resposta de Israel" aos
foguetes de curto alcance lançados pelos palestinos ao sul das cidades
israelitas.
Outro produto jornalístico nacional ao
qual pude assistir tratando do tema em foco foi o "Canal Livre", da
Band. De frequência dominical e num formato de debate, estiveram presentes no programa do último domingo o presidente da Federação Israelita em São Paulo e um professor da Fundação
Getúlio Vargas.
Foi interessante (do ponto de vista das ciências sociais) e
preocupante (do ponto de vista moral) contemplar as falas dos respectivos
partícipes.
Enquanto o professor tentava levar o
debate para o campo do conhecimento, trazendo dados e informações sobre o que
ocorre com os palestinos em solo israelense, que rotineiramente convivem com a restrição de direitos básicos, como o de ir e vir livremente, o representante judeu tratava de
enfatizar o aspecto de "ameaça à segurança judaica", pintando o Hamas como
"grupo terrorista que precisa ser combatido".
Se considerarmos que cada pessoa expõe
em sua fala tudo aquilo o que carrega consigo, sua cultura, posicionamento
político, crença religiosa, etc, cada um dos debatedores reforçou a validade de tal premissa.
O preocupante, no entanto, foi o fato dos jornalistas
que compunham a mesa terem incorporado o discurso israelense, naturalizando o
direito de defesa do povo judeu e negando o mesmo princípio aos palestinos. Perspectiva que ficou ainda mais nítida quando o representante de Israel defendeu
obstinadamente o fato de seu país possuir bombas nucleares, sem dar o mesmo
mérito para os demais países do Oriente Médio, especialmente a Palestina, com a
avaliza dos jornalistas ali presentes, que tiveram a pachorra de perguntar ao
professor se não seria "perigoso" uma bomba nuclear nas mãos do
Hamas.
Ainda assim, o auge do debate se deu quando o
representante judeu falou, no mesmo bloco, sobre a "Educação para a
Paz" ensinada nas escolas israelenses, ao passo que classificou o conflito em Gaza como uma luta entre "barbárie e civilização", obviamente tratando os
judeus como os "civilizados".
Obteve como resposta do professor a
exposição dos fatores que constituem um verdadeiro "apartheid" imputado pelos israelenses aos palestinos que habitam a
região que, resumidamente, não gozam dos mesmos direitos dos judeus.
Se foi louvável a iniciativa do
programa da Band em trazer para o debate um professor universitário em contraste a um
representante de um dos lados do conflito (pecando no fato de não trazer nenhum
representante dos palestinos, papel que coube ao próprio professor, esmiuçando
aspectos que Israel tenta esconder ou negar), os posicionamentos assumidos e os
questionamentos feitos pelos jornalistas aos dois convidados, particularmente
ao professor, salientando a beligerância do Hamas, acabaram por reificar e
naturalizar um suposto caráter "anti-paz" do povo palestino, negando
todo um processo histórico que levou ao massacre de milhões de árabes em toda a
região do Oriente Médio.
A certeza a que se chega é a de que não
existe "paz" sem justiça social, e de que não haverá "paz"
enquanto uns tiverem que subsumir às imposições de outros. Ninguém estará
seguro enquanto a "segurança" for argumento estratégico utilizado
para minimizar o poder de defesa do adversário. Ninguém estará seguro enquanto
apenas alguns países ditos "civilizados" impuserem suas condições ao
mundo e se arvorarem como os únicos possuidores legítimos do direito de defesa, contando com a subserviência dos veículos de comunicação "aliados".
A Paz não é apenas o antônimo da
Guerra. A Paz é o corolário da Justiça.
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