sábado, 1 de dezembro de 2012

A MÍDIA BRASILEIRA E O CONFLITO NA FAIXA DE GAZA


Por Hugo Freitas
Historiador e Sociólogo

Não é de se estranhar o fato de que os veículos de comunicação no Brasil sempre assumam posicionamentos a favor do "mais forte" em conflitos armados mundo afora.

Mas no caso específico das atuais agressões entre israelenses e palestinos, é gritante e absurda a forma como os programas jornalísticos abordam o tema.

Para clarificar a argumentação, desde que o líder palestino Ahmed Al-Jaabari foi assassinado pelo exército de Israel, dando início ao atual conflito na Faixa de Gaza, que já ceifou a vida de quase duzentos palestinos, sendo a metade civis, e apenas seis israelenses, o "Jornal Nacional" (JN) vem veiculando matérias que se detiveram apenas à reprodução dos estigmas fabricados pelos israelitas.

Ao tratar de Israel, o JN resume-se a abordar o Estado judaico como a "vítima" do conflito, sempre se "defendendo" dos "ataques terroristas" dos árabes-palestinos. Por sua vez, o grupo que governa legitimamente a Faixa de Gaza, o Hamas, é pincelado como "o inimigo da paz", constituído por guerrilheiros que "utilizam a população civil como escudo".

Tal construção textual das matérias veiculadas no principal produto jornalístico da Rede Globo evidencia o caráter detrator do JN em relação aos palestinos e reificador da legitimidade de defesa do território israelense. Convém ressaltar que Israel é um Estado reconhecido pela Organização das Nações Unidas, enquanto que a Palestina não goza de tal "prestígio".

O absurdo da "falta de criticidade" da mídia nacional, contudo, não se resume apenas ao JN. Assistindo ao "Bom Dia Brasil", também da Globo, na semana em que os conflitos se intensificaram, os âncoras do referido programa salientaram a "necessidade", sempre legítima, de "Israel se defender dos ataques", negando assim o mesmo princípio de defesa aos palestinos.

A versão adotada pela Globo em seus noticiários é a mesma produzida por Israel. Na versão judaica, balizada por toda imprensa nacional "tradicional", os conflitos são uma "resposta de Israel" aos foguetes de curto alcance lançados pelos palestinos ao sul das cidades israelitas.

Outro produto jornalístico nacional ao qual pude assistir tratando do tema em foco foi o "Canal Livre", da Band. De frequência dominical e num formato de debate, estiveram presentes no programa do último domingo o presidente da Federação Israelita em São Paulo e um professor da Fundação Getúlio Vargas.

Foi interessante (do ponto de vista das ciências sociais) e preocupante (do ponto de vista moral) contemplar as falas dos respectivos partícipes.

Enquanto o professor tentava levar o debate para o campo do conhecimento, trazendo dados e informações sobre o que ocorre com os palestinos em solo israelense, que rotineiramente convivem com a restrição de direitos básicos, como o de ir e vir livremente, o representante judeu tratava de enfatizar o aspecto de "ameaça à segurança judaica", pintando o Hamas como "grupo terrorista que precisa ser combatido".

Se considerarmos que cada pessoa expõe em sua fala tudo aquilo o que carrega consigo, sua cultura, posicionamento político, crença religiosa, etc, cada um dos debatedores reforçou a validade de tal premissa.

O preocupante, no entanto, foi o fato dos jornalistas que compunham a mesa terem incorporado o discurso israelense, naturalizando o direito de defesa do povo judeu e negando o mesmo princípio aos palestinos. Perspectiva que ficou ainda mais nítida quando o representante de Israel defendeu obstinadamente o fato de seu país possuir bombas nucleares, sem dar o mesmo mérito para os demais países do Oriente Médio, especialmente a Palestina, com a avaliza dos jornalistas ali presentes, que tiveram a pachorra de perguntar ao professor se não seria "perigoso" uma bomba nuclear nas mãos do Hamas.

Ainda assim, o auge do debate se deu quando o representante judeu falou, no mesmo bloco, sobre a "Educação para a Paz" ensinada nas escolas israelenses, ao passo que classificou o conflito em Gaza como uma luta entre "barbárie e civilização", obviamente tratando os judeus como os "civilizados".

Obteve como resposta do professor a exposição dos fatores que constituem um verdadeiro "apartheid" imputado pelos israelenses aos palestinos que habitam a região que, resumidamente, não gozam dos mesmos direitos dos judeus.

Se foi louvável a iniciativa do programa da Band em trazer para o debate um professor universitário em contraste a um representante de um dos lados do conflito (pecando no fato de não trazer nenhum representante dos palestinos, papel que coube ao próprio professor, esmiuçando aspectos que Israel tenta esconder ou negar), os posicionamentos assumidos e os questionamentos feitos pelos jornalistas aos dois convidados, particularmente ao professor, salientando a beligerância do Hamas, acabaram por reificar e naturalizar um suposto caráter "anti-paz" do povo palestino, negando todo um processo histórico que levou ao massacre de milhões de árabes em toda a região do Oriente Médio.

A certeza a que se chega é a de que não existe "paz" sem justiça social, e de que não haverá "paz" enquanto uns tiverem que subsumir às imposições de outros. Ninguém estará seguro enquanto a "segurança" for argumento estratégico utilizado para minimizar o poder de defesa do adversário. Ninguém estará seguro enquanto apenas alguns países ditos "civilizados" impuserem suas condições ao mundo e se arvorarem como os únicos possuidores legítimos do direito de defesa, contando com a subserviência dos veículos de comunicação "aliados".

A Paz não é apenas o antônimo da Guerra. A Paz é o corolário da Justiça.

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