O crescimento da contratação de
temporários nas universidades dos EUA é parte de um modelo de negócios
projetado para reduzir os custos do trabalho.
O que se segue é uma transcrição
editada de observações feitas por Noam Chomsky via Skype, no dia 4 de fevereiro
de 2014, a membros e apoiadores da Adjunct Faculty
Association [NT] do Sindicato dos Metalúrgicos, em Pittsburgh. As observações de Chomsky foram
provocadas por perguntas feitas por Robin Clarke, Adam Davis, David Hoinski,
Maria Somma, Robin J. Sowards, Matthew Ussia e Josué Zelesnick. A transcrição
ficou a cargo de Robin J. Sowards e foi editada pelo próprio Chomsky.
Sobre o modelo de contratação de
professores
Isso faz parte do atual modelo de
negócios. É o mesmo que ocorre com a contratação de trabalhadores temporários
na indústria ou com o que eles chamam de "associados" na Wal-Mart,
funcionários que não tem direito a benefícios. É parte de um modelo de negócios
privados projetado para reduzir os custos do trabalho e aumentar o servilismo
no trabalho. A transformação das universidades em corporações, como tem
ocorrido sistematicamente ao longo da última geração, como parte do assalto
neoliberal geral sobre a população, veio acompanhada de um modelo de negócios
onde o que importa é o lucro no final do balanço.
Os verdadeiros proprietários são os
gerentes (ou legisladores, no caso das universidades estaduais) e eles querem
manter os custos baixos e assegurar que o trabalho seja dócil e obediente. A
melhor maneira de fazer isso é, fundamentalmente, contratar temporários. Assim
como a contratação de temporários foi se disseminando na sociedade no período
neoliberal, o mesmo fenômeno ocorreu nas universidades. A ideia é dividir a
sociedade em dois grupos. Um grupo é às vezes chamado de “plutonomia”
(plutonomy, um termo usado pelo Citibank para aconselhar seus investidores sobre
onde aplicar seus recursos), o setor top da riqueza, concentrado principalmente
nos Estados Unidos. O outro grupo, o restante da população, é um “precariado”,
as pessoas que vivem uma existência precária.
Esta ideia, por vezes, torna-se
bastante evidente. Quando Alan Greenspan testemunhou perante o Congresso, em 1997, sobre
as maravilhas da economia, ele disse diretamente que uma das bases para o seu
sucesso econômico era o que ele chamou de “maior insegurança dos
trabalhadores”. Se os trabalhadores são mais inseguros, isso é muito “saudável”
para socieadade, porque eles não ficar perguntando sobre seus salários, não vão
entrar em greve, não vão pedir repartição de lucros, e vão servir a seus
patrões de bom grado e de forma passiva. E isso é ótimo para a saúde econômica
das empresas.
Na época, todo mundo achou o comentário
de Greenspan muito razoável, a julgar pela falta de reação e pelo grande
sucesso que ele gozava. Vamos transferir isso para as universidades: como
garantir “maior insegurança dos trabalhadores”? Fundamentalmente, não
garantindo o emprego, mantendo as pessoas penduradas em um galho que pode ser
serrado a qualquer momento, de modo que elas saibam que é melhor calar a boca,
receber pequenos salários, fazer o seu trabalho e se forem agraciados com a
autorização para servir em condições miseráveis por mais um ano, devem se
contentar com isso e não pedir nada a mais. Essa é a receita das corporações
para manter uma sociedade eficiente e estável. Como a suniversidades se moveram
na direção desse modelo de negócios, a precariedade é exatamente o que está
sendo imposto. E nós vamos ver mais e mais do mesmo.
Há outros aspectos que também são
bastante conhecidos na indústria privada, como um grande aumento dos níveis de
administração e burocracia. Afinal, se você precisa controlar as pessoas,
precisa ter uma força administrativa que faça isso. Assim, nas empresas dos
EUA, mais do que em outros lugares, há sucessivos níveis de administração, uma
forma de desperdício econômico, mas útil para o controle e a dominação. O mesmo
ocorre em muitas universidades. Nos últimos 30, 40 anos, houve um aumento muito
acentuado da proporção de administradores em relação ao número de professores e
alunos. O nível de professores e alunos até aumentou, mas o de administradores
subiu mais proporcionalmente.
Há um livro muito bom sobre esse tema,
escrito por um conhecido sociólogo, Benjamin Ginsberg, chamado “The Fall of the Faculty: The Rise of the All-Administrative
University and Why It Matters”(Oxford University Press, 2011), que
descreve em detalhes esse estilo de administração com seus diversos níveis de
administradores que, é claro, são muito bem pagos. Isso inclui os
administradores profissionais, como os reitores, por exemplo, que costumavam
ser membros do corpo docente que eram deslocados por alguns anos para exercer
atividade administrativa e, depois, voltavam para seus afazeres acadêmicos.
Agora, na maioria dos casos, eles são profissionais que contratam sub-reitores
e secretários, fazendo proliferar toda uma estrutura administrativa. Esse é
outro aspecto importante do atual modelo de negócios.
Mas o uso de mão-de-obra barata e
fragilizada no trabalho é uma prática tão antiga quanto a iniciativa privada e
os sindicatos surgiram em resposta a ela. Nas universidades, trabalho
vulnerável e barato significa professores auxiliares e estudantes de
pós-graduação. Alunos de graduação são ainda mais vulneráveis, por razões
óbvias. A ideia é transferir as atividades universitárias aos trabalhadores
precários, o que melhora a disciplina e o controle, e também permite a
transferência de recursos para outras finalidades que não a educação. Os
custos, naturalmente, são arcados pelos estudantes e pelas pessoas que são
atraídas para estas ocupações vulneráveis. É uma característica normal dessa
sociedade de gestão de negócios transferir os custos para o povo.
Os economistas cooperam com esse
esquema. Suponha que você encontre um erro em sua conta corrente e ligue para o
banco para tentar corrigi-lo. Bem, você sabe o que acontece. Vai telefonar e
ouvirá uma mensagem gravada dizendo: “Nós amamos você, aqui está um menu de
opções”. Talvez esse menu tenha o que você está procurando, talvez não. Se
acontecer de você encontrar a opção correta, ouvirá alguma música e, de vez em quando,
uma voz dirá: “Aguarde, por favor, enquanto transferimos a sua ligação”.
Finalmente, passado algum tempo, você até poderá ser atendido por um ser humano
a quem poderá fazer uma breve pergunta. Os economistas chamam isso de
“eficiência”, um sistema que reduz custos trabalhistas para o banco. É claro
que impõe custos para você e esses custos são multiplicados pelo número de
usuários, que pode ser enorme, mas que não é contado como um custo no cálculo
econômico.
Se você olhar o modo como a socieade
funciona, verá esse tipo de prática em todo lugar. Assim, a universidade impõe
custos aos alunos e professores que não são apenas temporários, mas colocados
em um modelo que garante que eles não terão segurança. Tudo isso é
perfeitamente normal dentro de modelos de negócios corporativos. É prejudicial
para a educação, mas a educação não é seu objetivo.
Na verdade, se olharmos para mais
longe, veremos que as raízes desse modelo são mais profundas ainda. Se
voltarmos para o início dos anos 1970, quando muitas dessas coisas atuais
começaram, havia muita precoupação em praticamente todo o espectro político
sobre os temas do ativismo dos anos 1960.
Essa época foi chamada de “era dos
problemas”, porque o país estava finando civilizado, e isso é periogoso. As
pessoas estavam se tornando politicamente engajadas e estavam tentando
conquistar direitos para grupos com os chamados “interesses especiais”, como as
mulheres, os trabalhadores, os agricultores, os jovens, os idosos, e assim por
diante. Isso levou a uma reação grave, o que foi muito evidente.
No final liberal do espectro político,
há um livro chamado The Crisis of Democracy: On the Governability of Democracies (New
York University Press, 1975 - Crise da Democracia: Sobre a Governabilidade das
Democracias), um relatório elaborado por Michel Crozier, Samuel P. Huntington e
Joji Watanuki para a Comissão Trilateral, uma organização de liberais
internacionalistas. O governo Carter saiu praticamente todo de suas fileiras.
Eles estavam preocupados com o que chamavam de “crise da democracia”. Para
eles, o problema é que havia um “excesso de democracia”. Na década de 1960,
havia pressões partindo de diversos setores da população, esses “interesses
especiais” que referi, para tentar obter direitos na arena política. Para os
autores, estava se colocando muita pressão sobre o Estado e isso era errado.
Havia um “interesse especial” que eles deixaram de fora, que era o do setor
empresarial. Mas esse interesse, para eles, se confundia com o “interesse
nacional” de que não seria o caso de falar dele.
Os demais “interesses especiais”
estavam causando problemas e esses autores disseram: “nós temos que ter mais
moderação na democracia”, o público tem de voltar a ser passivo e apático. Eles
estavam particularmente preocupados com as escolas e as universidades, que não
estavam fazendo devidamente seu trabalho de “doutrinar os jovens”. O ativismo
estudantil, sua participação nos movimentos de direitos civis, anti-guerra,
feminista, ambiental, entre outros, mostrava que os jovens não estavam sendo
doutrinados corretamente.
Como se doutrina os jovens? Há certo
número de modos de fazer isso. Um deles é sobrecarregá-los com uma dívida
irremediavelmente pesada. A dívida é uma armadilha, especialmente a dívida do
estudante, que é enorme, muito maior do que a dívida do cartão de crédito. É
uma armadilha para o resto de sua vida, porque as leis são projetadas para que
você não fique de fora. Se uma empresa, por exemplo, fica muito endividada, ela
pode declarar falência, mas os indivíduos quase nunca podem se aliviar de uma
dívida por meio da falência. Eles podem até mesmo tirar sua seguridade social
se você não pagar. Essa é uma técnica disciplinar. Eu não digo que foi
conscientemente produzida para ter esse efeito, mas certamente tem esse
efeito.
É difícil argumentar que há algum
fundamento econômico para ele. Basta dar uma olhada pelo mundo: na maioria dos
casos, o ensino superior é gratuito. Em países com os mais elevados índices de
educação, como a Finlândia, o ensino superior é gratuito. Em um país capitalista
rico bem sucedido como a Alemanha, é gratuito. No México, um país pobre, com
padrões de educação bastante decentes considerando as dificuldades econômicas
que enfrentam, é gratuito. Agora olhe para os Estados Unidos: se voltarmos para
os anos 1940 e 50, veremos que o ensino superior estava muito perto da
gratuidade. O GI Bill deu educação gratuita para um grande número de pessoas
que, sem isso, nunca teria conseguido ir para a faculdade.
Foi muito bom para eles, para a
economia e para a sociedade, sendo uma das razões para a elevada taxa de
crescimento econômico naquele período. Mesmo em faculdades particulares, a
educação era muito perto de ser gratuita. Eu fui para a faculdade, em 1945, em
uma universidade da Ivy League, a Universidade da Pensilvânia, onde a taxa de
matrícula foi de US$ 100. Isso talvez desse US$ 800 dólares hoje. E foi muito
fácil obter uma bolsa de estudos. Então era possível morar em casa, trabalhar e
ir para a escola sem grandes gastos. Hoje a situação é ultrajante. Tenho netos
na faculdade que têm que pagar sua matrícula e trabalhar, o que é quase
impossível. Para os alunos essa é uma técnica disciplinar.
Outra técnica de doutrinação é cortar o
contato entre o aluno e o professor. Isso se faz com turmas grandes,
professores temporários que estão sobrecarregados e mal conseguem sobreviver
com seu salário. E uma vez que você não tem nenhuma estabilidade no emprego não
é possível construir uma carreira. Você não pode seguir em frente e planejar
evoluir na carreira. Estas são todas técnicas de disciplina, doutrinação e
controle.
É muito parecido com o que você
esperaria encontrar em uma fábrica, onde os trabalhadores têm que ser
disciplinados para serem odebientes e não, por exemplo, para desempenhar um
papel na organização da produção ou do local de trabalho. Essas funções são
exclusivas dos gerentes. Pois esse modelo foi transportado para as
universidades. E creio que não deve surpreender ninguém, que já teve alguma
experiência com a iniciativa privada, a forma como funcionam.
Sobre como o ensino superior deve ser
Antes de tudo, devemos deixar de lado
qualquer ideia de que houve algo como uma “idade de ouro”. As coisas eram
diferentes e, em certo sentido, melhores no passado, mas longe de setem
perfeitas. As universidades tradicionais eram extremamente hierarquizadas, com
muito pouca participação democrática na tomada de decisões. Uma parte do
ativismo dos anos 1960 queria justamente tentar democratizar as universidades,
incluindo, por exemplo, representantes dos estudantes nas comissões do corpo
docente. Esses esforços tiveram algum grau de sucesso. A maioria das
universidades tem algum grau de participação dos estudantes nas decisões da
instituição. Penso que deveríamos nos mover nesta direção: uma instituição
democrática, onde as pessoas envolvidas (professores, alunos e funcionários)
participam na definição das políticas da instituição e de como elas são
exectutadas. E o mesmo deveria valer para uma fábrica.
Estas não são ideias radicais, devo
dizer. Elas vêm diretamente da tradição do liberalismo clássico. Se lermos, por
exemplo, John Stuart Mill, uma figura importante dessa tradição, veremos que
ele concordava com a ideia de que os locais de trabalho deveriam ser
administrados pelas pessoas que trabalham neles. Isso seria sinônimo de
liberdade e democracia (ver, por exemplo, de John Stuart Mill, Princípios de Economia Política, livro 4, cap.7)
Podemos encontrar essas mesmas ideias
nos Estados Unidos. Tomemos o caso dos Cavaleiros do Trabalho (Knights of
Labor, primeira organização trabalhista nacional importante da história dos
EUA, fundada em 1869 - NT). Um de seus objetivos declarados era “estabelecer
instituições cooperativas, que tenderão a substituir o sistema de salários com
a intordução de um sistema industrial cooperativado”. Ou ainda em alguém como
John Dewey, filósofo “mainstream”do século 20, que defendeu não só uma educação
voltada a desenvolver a independência criativa nas escolas, mas também o controle
das indústrias pelos trabalhadores, o que ele chamou de “democracia
industrial”.
Para Dewey, enquanto as instituições
cruciais da sociedade (como produção, comércio, transporte e mídia) não
estiverem sob o controle democrático, então a “política (será) a sombra
projetada sobre a sociedade pelos grandes negócios” (“A Necessidade de um novo partido”, 1931). Essa
ideia quase elementar, que tem raízes profundas na história dos Estados Unidos
e no liberalismo clássico, deveria ser uma espécie de segunda natureza para as
pessoas que trabalham e ser aplicada igualmente para as universidades.
Há algumas decisões em uma universidade
onde não é o caso de ter (transparência democrática) porque, por exemplo, é
preciso preservar a privacidade do aluno. Existem vários tipos de questões
sensíveis, mas na maioria da atividade normal da universidade não há razão para
a democracia direta não ser considerada legítima e útil. No meu departamento,
por exemplo, por 40 anos tivemos representantes dos estudantes participando de
reuniões do departamento.
"Governança compartilhada" e
controle dos trabalhadores
A universidade é, provavelmente, a
instituição em nossa sociedade que está mais próxima da ideia de um controle
democrático dos trabalhadores. Dentro de um departamento, por exemplo, é normal
que um professor possa determinar uma parte substancial de como será seu
trabalho: o que vai ensinar, quando, como deve ser o currículo. A maioria das
decisões sobre o trabalho real do departamento passa pelos professores. Há, é claro,
um nível superior de questões que não fica sob seu controle. Pode-se indicar
alguém para lecionar, digamos, e essa recomendação pode ser rejeitada pelos
reitores ou administradores. Isso não acontece com muita frequência, mas pode
acontecer. E isso sempre tem a ver com questões mais estruturais que, embora
sempre tenham existido, representavam um problema menor quando os professores
participam da administração.
Sob sistemas representativos, você tem
que ter alguém fazendo o trabalho administrativo, mas esses mandatos devem ser
revogáveis em algum momento. Isso ocorre cada vez menos. Existem cada vez mais
administradores profissionais, em vários níveis, tomando decisões cada vez mais
distantes do controle do corpo docente. Eu mencionei antes o livro “The Fall of
the Faculty”, de Benjamin Ginsberg, que entra em muitos detalhes sobre como
isso funciona em universidades como John’s Hopkins, Cornell e algumas outras.
Enquanto isso, o corpo docente se vê
cada vez mais reduzido à categoria de trabalhadores temporários que têm a
garantia de uma existência precária, sem perspectiva de evoluir na carreira. Eu
tenho conhecidos que são efetivamente professores permanentes, mas eles não têm
esse status na prática, tendo de se aplicar a cada ano de modo a serem nomeados
novamente. Essas coisas não deveriam acontecer. E a situação dos auxiliares foi
institucionalizada: eles não fazem parte do corpo de tomada de decisões e não tem
segurança no emprego, o que só amplia o problema. Esse pessoal também deveria
ser integrado ao processo de tomada de decisões, uma vez que fazem parte da
universidade.
Portanto, há muito o quê fazer, mas
podemos entender facilmente porque essas tendências estão se desenvolvendo.
Isso tem a ver com a imposição de um modelo de negócio em quase todos os
aspectos da vida. É a ideologia neoliberal sob a qual a maior parte do mundo
tem vivido há 40 anos. Ela é muito prejudicial para as pessoas e não encontra resistência
na maioria dos casos. Só duas regiões conseguiram escapar dela: a Ásia
Oriental, onde ela nunca predominou, e a América do Sul, nos últimos 15 anos.
Sobre a alegada necessidade de
“flexibilidade”
“Flexibilidade” é um termo que é muito
familiar para os trabalhadores na indústria. Parte daquilo que costuma ser
chamado de “reforma trabalhista” consiste em fazer o trabalho mais “flexível”,
ou seja, fazer com que seja mais fácil contratar e demitir pessoas. É, mais uma
vez, uma forma de garantir a maximização de lucro e de controle.
“Flexibilidade”, supostamente, é uma coisa boa, assim como a “maior insegurança
dos trabalhadores”. Deixando de lado a indústria, onde é exatamente isso o que
ocorre mesmo, mas universidades não há justificativa para esse tipo de
prática.
Consideremos o caso de um curso com
baixo número de matriculados. Isso não é um grande problema. Uma de minhas
filhas ensina em uma universidade e me disse que sua carga horária sofrerá
alteração porque um dos cursos que estava sendo oferecido teve poucos
matriculados. Ok, o mundo não acaba por causa disso. O professor ou professora
pode dar um curso com uma metodologia diferente ou buscar outra alternativa. As
pessoas não têm que ser jogadas fora ou ficar inseguras por causa da variação
do número de alunos matriculados em um curso. Há várias possibilidades de
ajuste para essa situação. A ideia de que o trbaalho deve atender às condições
de “flexibilidade” é apenas mais uma técnica padrão de controle e dominação.
Por que não dizer que os administradores devem ser jogados fora se não há nada
para se fazer naquele semestre? A mesma situação se aplica aos altos executivos
das indústrias: se o trabalho tem que ser flexível, o que dizer da gestão? A
maioria deles é bastante inútil ou até prejudicial. Então vamos nos livrar
deles. E você pode continuar assim.
Para tomar uma notícia dos últimos
dias, que tal Jamie Dimon, CEO do banco JP Morgan Chase? Ele teve um aumento
bastante substancial, quase o dobro de seu salário, por gratidão por ter salvo
o banco de acusações criminais que teriam levado seus executivos para a cadeia.
Conseguiram escapar com apenas US$ 20 bilhões em multas por atividades
criminosas. Bem, eu posso imaginar que se livrar de alguém assim pode ser útil
para a economia. Mas não é disso que as pessoas estão falando quando falam
sobre a “reforma trabalhista”. São as pessoas que trabalham que devem sofrer.
Devem sofrer por ter um trabalho inseguro, por não ter certeza sobre de onde
sairá o pão de amanhã. Por isso, devem ser disciplinadas e obedientes e não
fazer perguntas ou pedir por seus direitos. Essa é a maneira pela qual os
sistemas tirânicos operam. E o mundo dos negócios é um sistema tirânico. Quando
essa lógica é imposta às universidades, ela refletirá as mesmas ideiais. Isso
não é nenhum segredo.
Sobre a finalidade da educação
Estes debates remontam ao Iluminismo,
quando as questões de ensino superior e educação de massa estavam sendo
levantadas, e não mais apenas a educação para o clero e a da aristocracia.
Havia basicamente dois modelos discutidos nos séculos 18 e 19, e foram
discutidos com imagens bastante sugestivas. Uma imagem da educação dizia que
ela deve ser vista como um vaso que deve ser preenchido com água. Isso é o que
chamamos hoje em dia de “ensinar para testar”: você derrama água dentro do vaso
e, em seguida, ele devolve a água. Mas é um vaso muito permeável, como muitos
de nós que passamos pela experiência da escola podemos constatar, já que
podemos memorizar algo para um exame pelo qual não tínhamos muito interesse e,
uma semana depois, não lembrarmos mais do que se tratava. O modelo do vaso nos
dias de hoje é chamado de “nenhuma criança deixada para trás”, “ensinando para
testar”, “corrida para o topo” e outras coisas semelhantes em universidades. Os
pensadores ilumistas eram contrários a esse modelo.
O outro modelo foi descrito pela imagem
de uma corda estendida ao longo da qual o aluno progride em seu próprio
caminho, sob sua própria iniciativa, talvez seguindo a corda, talvez decidindo
ir para outro lugar, talvez levantando questões. Seguir a corda significa impor
algum grau de estrutura. Assim, um programa de educação, seja ela qual for, um
curso sobre física ou algo assim, não será um vale tudo, terá certa estrutura.
Mas o seu objetivo é que o aluno adquira a capacidade de investigar, de criar,
inovar e desafiar – isso é que é a educação. Um físico mundialmente famoso, foi
questionado uma vez por um aluno sobre qual seria o conteúdo do curso no
semestre. Sua resposta foi: “não importa o que vamos tratar, mas sim o que você
vai descobrir”. Você ganha capacidade e auto-confiança para desafiar e criar.
Dessa forma você internaliza o tema do estudo e pode ir em frente. Não é uma
questão de acumular uma quantidade fixa de fatos que, em seguida, você pode
descrever em uma prova e amanhã já não lembrar.
Estes são dois modelos bem distintos de
educação. O ideal iluminista foi o segundo e eu acho que é isso que devemos nos
esforçar em buscar. Essa é a verdadeira educação, do jardim de infância à
pós-graduação. Na verdade, existem programas desse tipo, muito bons, para o
jardim de infância.
Sobre o amor de ensinar
Nós certamente queremos que as pessoas,
tanto professores como alunos, se envolvam em atividades que sejam
gratificantes, agradáveis, estimulantes e excitantes. Eu realmente não acho que
isso seja difícil. As crianças são criativas, curiosas, querem saber coisas,
querem entender as coisas, e, a menos que sejam submetidas a um processo, essas
coisas ficam com elas o resto de sua vida. Se você tem oportunidade de seguir
esse compromisso, é uma das coisas mais gratificantes da vida. Isso é verdade
se você é um físico pesquisador ou se você é um carpinteiro. Você está tentando
criar algo de valor, lidando com um problema difícil e tentando resolvê-lo.
Acho que isso é o que faz funcionar o tipo de coisa que você quer fazer.
Em uma universidade que funciona
razoavelmente, você encontra pessoas que trabalham o tempo todo porque elas
adoram o que estão fazendo. É o que elas querem fazer. Elas receberam a
oportunidade, têm os recursos e são encorajadas a serem livres, independentes e
criativos. O que poderia ser melhor? É o que elas gostam de fazer. E isso,
repito, pode ser feito em qualquer nível.
Vale a pena pensar sobre alguns dos
programas educacionais imaginativos e criativos que estão sendo desenvolvidos
em diferentes níveis. Alguém me descreveu, dias atrás, um programa de ciência
que está usando em escolas de ensino médio, por meio do qual os alunos são
provocados por uma pergunta interessante: "Como pode um mosquito voar na
chuva?" Essa é uma pergunta difícil quando você pensa sobre isso. Se algo
batesse em um ser humano com a força com que um pingo de chuva bate em um
mosquito ele seria achatado imediatamente. Então como é que o mosquito não é esmagado
instantaneamente? E como pode o mosquito continuar voando? Responder essa
pergunta é um trabalho muito difícil que envolve entrar em questões de
matemática, física e biologia, questões suficientemente desafiadoras para
alguém querer encontrar uma resposta para elas.
Isso é o que a educação deve ser em
todos os níveis, desde o jardim de infância. Existem programas de jardim de
infância em que, por exemplo, é dada uma coleção de pequenos objetos para cada
criança: seixos, conchas, sementes, e coisas assim. Em seguida, a classe recebe
a tarefa de descobrir quais são as sementes. O processo começa com o que chamam
de uma "conferência científica": as crianças conversam entre si e
tentam descobrir quais são as sementes. Há alguma orientação de professores, é
claro, mas a idéia é fazer com que as crianças pensem sobre o tema. Depois de
um tempo, são feitas várias experiências para tentar descobrir quais são as
sementes. Nesse ponto, cada criança recebe uma lupa e, com a ajuda do
professor, olham para dentros das rachaduras da semente e encontram o embrião
que faz a semente crescer. Estas crianças aprendem algo, realmente, não apenas
sobre sementes e o que faz com que as coisas cresçam, mas também sobre como
descobrir. Eles estão aprendendo a alegria da descoberta e da criação, e é isso
o que você carrega de forma independente, para fora da sala de aula, para além
de qualquer curso.
O mesmo vale para toda a educação, até
a pós-graduação. Em um seminário de pós-graduação razoável, você não esperar
que os alunos baixem a cabeça para copiar e depois repetir o que você diz. Você
espera que eles lhe digam quando você está errado ou que cheguem a novas
idéias, para desafiar, para perseguir algum sentido que não tinha sido pensado
antes. Isso é o que a verdadeira educação é em todos os níveis, e é isso o que
deve ser incentivado. Esse deveria ser o propósito da educação. Não é para
despejar informações na cabeça de alguém, que depois vai “vazar” esse conteúdo,
mas para permitir que eles se tornem pessoas criativas, independentes, capazes
de encontrar emoção na descoberta e criação e criatividade em qualquer nível ou
em qualquer domínio de seus interesses.
Sobre o uso da retórica corporativa
contra as corporações
Isso é como perguntar como você deve
justificar, perante o proprietário de escravos, que as pessoas não devem ser
escravos. Você está em um nível de investigação moral onde provavelmente é
muito difícil encontrar respostas. Somos seres humanos com direitos humanos. É
bom para o indivíduo, é bom para a sociedade e mesmo para a economia, em
sentido estrito, que as pessoas sejam criativas, independentes e livres. Todos
se beneficiam se as pessoas são capazes de participar, de controlar seu
destino, de trabalhar uns com os outros. Isso pode não maximizar o lucro e
dominação, mas por que deveríamos perseguir esses valores?
Conselhos para professor temporário
organizar sindicatos
Você sabe melhor do que eu o que tem
que ser feito, o tipo de problemas que você enfrenta . Então, vá em frente e
faça o que tem que ser feito. Não se deixe intimidar , não se assuste, e
reconheça que o futuro pode estar em nossas mãos, se estamos dispostos a
compreendê-lo.
(*) Noam Chomsky OCCUPY: Class War,
Rebellion and Solidarity é publicado pela Zuccotti Park Press .
[NT] A expressão “Adjunct Faculty”
utilizada por Chomsky no texto original designa, nos Estados Unidos, os
professores universitários contratados em regime temporário para dar um curso
durante um semestre ou um ano, não possuindo qualquer estabilidade de emprego.
Essa categoria não corresponde ao “professor adjunto” das universidades
públicas brasileiras, que são concursados e possuem estabilidade de emprego.
Tradução: Louise Antonia León
Texto "pescado" do site da Carta Maior
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