Os motivos que levaram o governo imperial a se empenhar em tão complexa tarefa são, até hoje, razão de debate entre especialistas.
Num Brasil imperial de dimensões
continentais e grandes desafios logísticos, o primeiro levantamento
populacional foi realizado com sucesso em 1872, como parte das políticas
inovadoras de D. Pedro II.
O recenseamento é considerado, mesmo para os padrões
atuais, bastante completo: traz o único registro oficial da população escrava
nacional, os imigrantes separados por nacionalidade e faz ainda um inventário
inédito dos grupos indígenas.
Agora, pela primeira vez, ele teve as
contas (originalmente feitas a mão) corrigidas e está disponível na internet,
facilitando o cruzamento de dados do passado e do presente, revelando as
intensas modificações pelas quais o país passou nesses 141 anos.
A análise dos números mostra um país
essencialmente rural, de população predominantemente negra e mestiça, com uma
parcela ainda significativa de escravos (15%).
Revela também o início da
política de “embranquecimento” do povo, com a entrada dos primeiros grupos de
imigrantes europeus. Da população total de 1872 (9.930.478), 1.510.806 ainda
eram escravos a despeito do fim do tráfico.
No fim do século XIX, aponta o
levantamento, 58% dos residentes no país se declaravam “pardos ou pretos”,
contra 38% que se diziam brancos. No censo de 2010, os percentuais são de 50,7%
e 47,7%. Os índios perfaziam 4% do total, contra apenas 0,4% nas últimas
contagens. Curiosamente, os indígenas ficaram durante 101 anos sem aparecer
como categoria separada nos levantamentos populacionais, só retornando em 1991.
"A solução para o que era visto como
um problema, a população negra e indígena, é o projeto de embranquecimento. Há
um crescimento da população branca devido à intensa migração europeia. Em 350 anos de tráfico negreiro, entraram no país cerca de
4 milhões de africanos; entre 1870 e 1930 vieram morar aqui praticamente 4
milhões de imigrantes europeus", explica o pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) José Luis Petruccelli.
O censo de 1872 aponta o total da
população de estrangeiros no Brasil: 382.132. Separa os brancos por origem. São
125.876 portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, entre várias outras
nacionalidades citadas. Mas, no caso dos negros, coloca-os todos no mesmo
grupo: africanos. São 176.057 africanos vivendo no país naquele momento,
segundo o levantamento. Mas a única divisão que eles mereceram foi entre
escravos (138.358) e alforriados (37.699).
"Era um país que já tinha adotado
várias medidas para acabar com a escravidão e que estava num processo muito
racista de branqueamento da população", afirma o demógrafo Mario Rodart,
coordenador do Núcleo de Pesquisa Histórica Econômica e Demográfica da UFMG,
responsável pela digitalização do censo junto com Clotilde Paiva e Marcelo
Godoy. "Por conta disso, o foco das políticas públicas era todo nesse
sentido. Mapear quem estava vindo da Europa fazia todo o sentido".
A realização de um ambicioso
levantamento populacional num país de dimensões continentais e dificuldades de
transporte foi uma empreitada e tanto para a época, conta Rodart. Questionários
foram enviados para 1.440 paróquias de todo o país. Em cada uma delas foi
criada uma comissão censitária, responsável por levar uma cópia do questionário
a cada casa.
Cabia ao chefe da família preencher o
formulário e entregá-lo de volta à comissão. Quem não respondesse era multado.
As informações eram bastante amplas: sexo, raça, estado civil, religião,
alfabetização, condição (escravo ou livre), nacionalidade, profissão. Os dados
eram, então, enviados de volta à capital, onde foram somados manualmente.
Os motivos que levaram o governo
imperial a se empenhar em tão complexa tarefa são, até hoje, razão de debate
entre especialistas.
"A visão mais clássica é de que, no
Império, havia a necessidade de saber mais sobre a população para conhecer sua
base tributável e também com fins militares, para pegar os jovens para o
serviço militar", sustenta Rodart.
"Há um outro grupo, no entanto, que
acredita que já havia uma ideia de um governo mais técnico, que precisava se
balizar em números para instituir políticas públicas. Os números eram
necessários para organização do sistema eleitoral, e também do sistema
educacional. Já se difundia, por exemplo, a ideia da obrigatoriedade das
primeiras letras e os números ajudaram a organizar a oferta de escolas", ressalta o demógrafo.
A digitalização e correção dos dados
(erros de soma e agregação) começaram há 30 anos por pesquisadores do Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG) e só agora foram
concluídos. Os dados estão disponíveis em www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop72.
Com
o programa, é possível pela primeira vez utilizar o censo de 1872 na forma de
base de dados, gerando tabelas das mais diversas, cruzando-se dados, segundo as
variáveis escolhidas.
Com informações do site Globo Ciência
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