Por Hugo Freitas
A ocupação dos últimos dias na Câmara
Municipal de São Luís serviu para certificar duas coisas: o desprezo das
autoridades e dos grupos dirigentes em relação aos reclames da população e a
subordinação instrumental da imprensa maranhense aos interesses políticos e
econômicos das elites dominantes do Estado.
Foi consensual a criminalização
imputada pela mídia e a classe política local aos ocupantes do parlamento
municipal ludovicense, que decidiram se instalar na Câmara de vereadores da
capital há dias para cobrar maior ação dos supostos "representantes do
povo".
Em vez dos assuntos e das problemáticas
levantadas pelos manifestantes, os vereadores preferiram utilizar-se da força
institucionalizada para expulsar, não sem truculência, a juventude que saiu às
ruas para protestar por melhorias estruturais na capital.
Questões fundamentais como mobilidade
urbana, regularização fundiária e transparência nas contas públicas da
Prefeitura de São Luís, dentre outras, foram simplesmente negligenciadas e
deixadas de lado em detrimento do açoite moral e físico praticados por aqueles
que visavam a "manutenção da ordem" através da força.
Nem mesmo a imprensa local soube
abordar os acontecimentos sem o mínimo daquilo que se exige dos profissionais
da comunicação: responsabilidade social. Adjetivos como "invasores",
"baderneiros", "vândalos", "desocupados", "promíscuos",
dentre inúmeros outros verbetes depreciativos e desqualificatórios, deram a tônica de como a mídia
maranhense continua subserviente aos "donos do poder" e aos
"barões da comunicação" no Maranhão, reforçando a lógica de dominação
perpetrada pelas elites que controlam a rédeas curtas o poder político e
econômico no Estado.
Diante desse quadro nefasto, que remete a uma "crise de representatividade política", e cumprindo
a responsabilidade de estar sempre do lado do povo em suas legítimas manifestações,
o Blog do Hugo Freitas endossa a validade do movimento de ocupação do parlamento municipal como forma
de pressionar os digníssimos vereadores tornando de conhecimento geral uma "Carta
Aberta à Opinião Pública", onde os manifestantes, de forma coletiva, se
posicionam e apresentam sua versão sobre os fatos ocorridos na última quarta-feira, dia 07, na Câmara de São Luís.
Assim, objetiva-se oferecer um
"olhar de baixo", de quem está cansado de apanhar e de ser colocado à
margem dos processos decisórios da vida política da capital e, por extensão, do
Maranhão, como forma de protestar e combater o servilismo nocivo dos setores
conservadores da imprensa maranhense que, salvo raras exceções, sempre se
coloca prosternada, e contra o povo, quando o que está em xeque é o poderio de seus abastados
patrões, sejam eles políticos ou empresários.
Segue a íntegra da Carta abaixo:
COLETIVO DE OCUPAÇÃO DA CÂMARA
MUNICIPAL DE SÃO LUIS
CARTA ABERTA À OPINIÃO PÚBLICA
O movimento que ocupou a Câmara
Municipal de São Luís entre os dias 23 e 29 de julho de 2013 vem público
externar seu repúdio contra os inúmeros atos de violência promovidos pela
direção daquela casa Legislativa e por alguns vereadores com assento naquele
parlamento. Ontem, ocorreu uma sessão especial na Câmara, fruto da ocupação que
fizemos. Queremos deixar claro, inicialmente, que nossa ocupação foi
reconhecida pela Justiça como legítima.
Uma das primeiras e graves violências
cometida contra nós foi o pedido de reintegração de posse feito pela direção da
Câmara, quando ainda estávamos na ocupação. Ao invés de seguir com o diálogo,
os vereadores queriam colocar a Policia Militar para nos expulsar. Mas, o juiz
Carlos Henrique Rodrigues Veloso, da 2ª Vara da Fazenda Pública, deu uma
sentença onde afirmou o seguinte: “...o movimento é político, de pressão social
do legítimo patrão dos políticos: a população e a sociedade, as quais, por
força da Constituição Federal, têm legítimos direitos de manifestação e
exigência de compromisso social, de ética, moralidade e probidade, de respeito
e eficiência, de publicidade e prestação de contas, dentre outros, o que,
infelizmente, a população não está conseguindo vislumbrar na classe
política...”
E assim a Câmara foi obrigada a
realizar uma sessão especial para nos ouvir. A pauta indicada por nós foi:
Transporte público e mobilidade urbana, transparência nas contas públicas e
regularização fundiária. Porem, por conta da absoluta truculência protagonizada
pelo comando da Câmara Municipal, a sessão teve que ser interrompida e o debate
em torno dos problemas da capital maranhense foi prejudicado, por iniciativa
dos próprios vereadores. Lamentável!
Logo no início da manhã, deste dia 7 de
agosto de 2013, os vereadores espalharam um boato de que a sessão estava
cancelada. Era a primeira de uma série de baixarias. Neste mesmo dia 7, algum
desavisado que chegasse a Câmara de Vereadores de São Luís, poderia imaginar
que estava num espaço controlado por bicheiros e não por parlamentares, tal a
quantidade de seguranças à paisana, que mais pareciam capangas. Somada a esta
“milícia”, estava uma guarda municipal, que na primeira manifestação de
protesto ocorrida - ainda antes da sessão - usou spray de pimenta contra os
manifestantes, informação esta deturpada pelo próprio Presidente da Câmara,
vereador Isaias Pereirinha, que informou à imprensa que foram “os manifestantes
que utilizaram spray de pimenta”.
Ainda cedo o protesto se deu porque a
direção da Câmara ocupou a galeria com seus seguranças e assessores, impedindo
a entrada do público que estava desde 8h aguardando a liberação do espaço. Isso
gerou muita reclamação, o que atrasou, em cerca de uma hora, a nossa
participação na sessão. Após uma negociação, nós entramos em número de 11
pessoas até o plenário e foi garantida a entrada de mais 20 pessoas para a
galeria. Ao chegar ao plenário encontramos vários vereadores nervosos, alguns
exaltados e outros até histéricos. Quando começamos a usar a palavra, fomos
interrompidos em várias ocasiões, demonstrando a falta de respeito dos
vereadores daquela casa com o movimento e com as pauta legítima apresentada.
Em nossas falas começamos a exigir a
transparências nas contas da Câmara Municipal e da Prefeitura de São Luís,
denunciamos o caos no transporte público da cidade, o descaso dos donos de
empresas de ônibus e suas antigas ligações com políticos locais, o repasse de
dinheiro público da gestão do prefeito Edivaldo Holanda Júnior para as empresas
de transporte que já chegou a R$ 10 milhões, mas que não teve reflexo na
melhoria do serviço oferecido. Não chegamos a falar da proposta de Tarifa Zero
para o transporte público de São Luís, mas iniciamos a abordagem sobre os
graves problemas de moradia e da falta de regularização fundiária que atingem a
nossa ilha e criticamos a omissão e conivência da Câmara de Vereadores diante
de tudo isso. Era o início do debate...
Desacostumados a sofrer pressão da
sociedade a maioria dos parlamentares se mostrava cada vez mais nervosa diante
de nossas falas. O vereador Sergio Frota, chamado a se explicar sobre um
contrato milionário da HCG com a prefeitura de São Luís, se portou de maneira
desequilibrada, chamando-nos de baderneiros, arruaceiros, mentirosos e chegando
a ponto de fazer considerações racistas a um militante do Quilombo Urbano, uma
pessoa que nem chegou a usar a tribuna.
Enquanto o clima ficava tenso no
plenário, na galeria, um manifestante (estudante de mestrado da UFMA),
levantava cartazes onde estava escrito: “eu já sabia”, “aí mente!”, “o coletivo
me representa”, “não tememos ameaças, a verdade nos defende”, “esse fala
bobagens”, “é uma falta de vergonha o teu despreparo”, “mais perdido do que
cego em tiroteio”. Pronto! Estes singelos cartazes motivaram a ira de alguns
vereadores e do presidente da Câmara, vereador Isaias Pereira, que acionou
estupidamente a segurança para que agissem contra o dono dos cartazes e
suspendeu a sessão posteriormente.
Sendo assim, por conta da intolerância,
da disposição de impedir a liberdade de expressão e da ação violenta dos
seguranças, houve grande tumulto na galeria. Várias pessoas foram agredidas! Na
confusão, um segurança se aproveitou da situação e segurou, ostensivamente, o
seio de uma manifestante (professora da UEMA), o que causou ainda mais
indignação nos manifestantes.
Em pouco mais de três horas, a Câmara
de Vereadores de São Luís, através de alguns seus diferentes integrantes,
protagonizou atos de racismo, violência contra mulher, truculência,
autoritarismo, censura a liberdade de expressão, intolerância as críticas e ao
debate honesto e franco. Diante do desarranjo provocado por eles mesmos, alguns
vereadores perguntavam: “cadê as lideranças que não conseguem conter as
pessoas”. Não existem lideranças, vereadores! O que existe é uma justificável
indignação coletiva!
O que vimos ontem na Câmara de
Vereadores de São Luís é um reflexo da política maranhense, marcada por uma
estrutura oligárquica, que se mantém no poder através do patrimonialismo e do
brutal abuso de poder político e econômico. Por uma feliz coincidência, esta
sessão na Câmara, com a nossa participação, ocorreu no mesmo dia em que o
Procurador Geral da República deu parecer favorável a cassação do mandando da
governadora do Maranhão, Roseana Sarney, exatamente por abuso de poder político
e econômico. São práticas como estas, usada por inúmeros detentores de mandato
em nosso estado, que expõe a crise de representatividade que hoje assola o
Brasil. É a mesma crise que tem levado milhões de pessoas a ruas do nosso país.
Por fim, lamentamos a postura
subserviente de setores da imprensa conservadora do Maranhão, que com sua
tradição de servir ao poder político e econômico, reproduziu o discurso
mentiroso propagado pela Câmara. Diante de tudo isso, aqui da ilha de São Luís,
a nossa decisão está tomada. Vamos, a partir de assembleias populares,
denunciar e pressionar o poder público no Maranhão. Temos pautas a exigir e a
violência institucionalizada não vai nos intimidar!
São Luís, 08 de agosto de 2013
Coletivo de Ocupação da Câmara de São
Luís
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Grato pela participação.