quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O INÍCIO DO FIM? A CASSAÇÃO DE ROSEANA E AS RELAÇÕES POLÍTICAS NO JUDICIÁRIO


Por Hugo Freitas
Historiador e Sociólogo

Finalmente, saiu o parecer do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, sobre o processo que pede a cassação dos mandatos da governadora Roseana Sarney Murad (PMDB) e do vice-governador Washington Luiz Oliveira (PT).

No parecer assinado em 30 de julho e divulgado somente nessa quarta (07), Gurgel é favorável à cassação dos referidos mandatos, entendo que houve abuso de poder político e econômico cometido pela governadora Roseana através de convênios realizados às vésperas das eleições de 2010. O procurador acolheu os argumentos da acusação de que esses convênios foram utilizados como "meio de cooptação de prefeitos e lideranças políticas e sindicais".

A acusação e o pedido de cassação foram feitos pelo ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB), representado pelos advogados Rodrigo Lago e Rubens Pereira Júnior, que também exerce atualmente o mandato de deputado estadual (PCdoB), sendo o líder da bancada oposicionista na Assembleia Legislativa.

Os advogados de Zé Reinaldo acusam Roseana de ter celebrado cerca de 979 convênios que beneficiaram diversos municípios maranhenses, nos quais a governadora obteve expressiva votação no pleito de 2010.

De acordo com a peça acusatória, os convênios assinados por Roseana Sarney chegam ao montante de cerca de R$ 1 bilhão com nítido caráter eleitoreiro (confira aqui os detalhes do pedido de cassação).

O processo segue agora para julgamento pelo pleno do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) e tem como relatora a ministra Luciana Lóssio, que foi advogada de Roseana no processo de cassação do ex-governador Jackson Lago, resultando no retorno da filha de Sarney ao Executivo estadual, quando esta havia sido derrotada nas urnas, em 2006, pelo falecido pedetista.

Por conta da demora diante das graves e documentadas denúncias contra Roseana, o procurador Roberto Gurgel foi acusado de "dormir" no processo de cassação em favor de uma suposta aliança com o senador José Sarney, pai da governadora (acompanhe aqui).

Roberto Gurgel é favorável à cassação de Roseana Sarney

A partir desse aparente estado de "sonolência", foi protocolado no Senado um pedido de Impeachment contra Gurgel (leia aqui). Fato esse que, de alguma forma, deve ter influído para que o procurador-geral da República se pronunciasse sobre o processo e desse celeridade ao mesmo.

"Dezenas de prefeitos de oposição, filiados ao PSDB, PSB, PDT e PCdoB abandonaram completamente os candidatos Jackson Lago e Flávio Dino nas eleições para o governo do Estado e passaram a apoiar a reeleição da governadora Roseana Sarney Murad em troca dos convênios milionários, liberados às vésperas das eleições", argumentou o procurador-geral da República.

É interessante observar em todo esse imbróglio o quanto as relações políticas interferem e exercem grande influência nos pareceres dos órgãos jurídicos no Brasil, ou melhor, de seus digníssimos magistrados. Senão, vejamos.

O pedido de cassação foi feito pelo ex-governador "sarneysista" Zé Reinaldo, que rompeu com o grupo Sarney em 2003, quando venceu as eleições do ano anterior apoiado pela "grande família", vindo a grassar nas fileiras da "oposição" como "padrinho político" de Flávio Dino, atual presidente da Embratur e principal nome da "oposição" na disputa sucessória estadual de 2014.

Além disso, o pedido de impeachment no Senado contra Gurgel é de autoria de Aderson Lago, primo do falecido Jackson Lago, cassado em 2009 sob as mesmas acusações de "abuso de poder político e econômico", fato jurídico esculpido pelos adversários como "Golpe do Judiciário".

Roseana Sarney não fica por menos e tem na ministra do TSE, Luciana Lóssio, uma provável "aliada" neste processo de cassação, ou mesmo, uma última esperança, já que a magistrada atuou em favor de Roseana no "Golpe do Judiciário" de 2009.

Luciana Lóssio, última esperança de Roseana no TSE

Sem contar a guerra política travada na OAB/MA pela composição da lista tríplice envolvendo "aliados" de Roseana Sarney e Flávio Dino, de onde deverá sair o próximo desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, em escolha feita pela governadora.

Não obstante, no parecer de Gurgel, aparece um dado "curioso". Roseana teria "comprado" apoio político de dezenas de prefeitos precisamente da "oposição", filiados ao PSDB, PSB, PDT e PCdoB. Nas palavras do procurador, estes representantes do povo "abandonaram completamente os candidatos Jackson Lago e Flávio Dino nas eleições [de 2010] para o governo do Estado e passaram a apoiar a reeleição da governadora Roseana Sarney Murad em troca dos convênios milionários".

A reflexão sugerida que dá título a este post é a de que a cassação de Roseana, caso seja consumada pelo TSE e, tenha certeza, prezado leitor, deverá chegar ao Supremo Tribunal Federal em ordem de recurso, é uma excelente oportunidade para se discutir as relações quase indissociáveis entre Política e Justiça no Brasil.

Muitos acreditam que a saída via judiciário de Roseana do comando do Governo do Maranhão, o que poderá torná-la inelegível para os próximos oito anos pela Lei da Ficha Limpa, poderá significar o fim da hegemonia do grupo Sarney na política local. A própria doença do patriarca da "grande família" - o senador José Sarney está com dengue e pneumonia - parece já indicar esse "fim simbólico".

Contudo, "mudança" no Maranhão não pode se restringir apenas à saída de um grupo e a entrada de outro no poder. Afinal, as bases sociais de sustentação política dos grupos que disputam espaços de poder no Maranhão são móveis e fluidas, e variam conforme as conjunturas eleitorais.

Basta observar o sem-número de exemplos que, cachoeiramente, pululam na imprensa maranhense sobre as prováveis alianças para 2014. Tem de tudo: PT e PCdoB, PCdoB e PSDB, PSB e PMDB, PMDB e PSDB, etc.

Além disso, existem inúmeros membros da família Sarney que exercem mandatos parlamentares no Maranhão e em Brasília, bem como integram partidos políticos onde ocupam cargos de direção, vide exemplo do Partido Verde (PV). O que sugere, no mínimo, que estes agentes da "oligarquia" sejam considerados no jogo político local e nacional para as próximas disputas eleitorais.

Soma-se à reflexão a existência de não apenas uma, mas de várias "oligarquias" que controlam diversos setores influentes na sociedade maranhense, seja no Legislativo, no Executivo, no Judiciário, na imprensa, nas legendas partidárias e entre o empresariado nativo.

Portanto, não existem garantias de que o nosso Estado trilhará novos rumos políticos a partir de 2014 com ou sem Roseana, pois os mesmos grupos que ora se digladiam, ora estão abraçados, irmanados pelo controle do dinheiro público e da estrutura político-administrativa do Estado, compondo assim o que chamo de "reconfiguração dos laços políticos".

Restam apenas sonhos, esperanças e perspectivas, ressalvado que mesmo estas águas calorosas podem desaguar em projetos políticos pessoais que as utilizam apenas como base discursiva eleitoral.

Maior exemplo disso é a prova fornecida pelo próprio Gurgel que, no parecer favorável à cassação de Roseana, aponta as figuras políticas que sonhavam de noite com a "mudança" pregada por Jackson e Flávio, e de dia estavam de $orri$o$ e olho$ aberto$ aos convênios milionários de Roseana, ajudando-a a se reeleger em 2010. Onde estão as alternativas para que essa lógica de poder mude efetivamente?

Não serão estes tão responsáveis quanto a "grande família" pelo "atraso" e os péssimos indicadores sociais do Maranhão? Aliás, como crer na "mudança" quando as práticas eleitoreiras que circundam a política maranhense são mais fortes que quaisquer projetos de desenvolvimento social e educacional? Como acreditar no discurso de figuras políticas que se abraçam com a "oligarquia" e se utilizam dela para também ocupar espaços de poder?

É necessário que se crie condições políticas e jurídicas que possibilitem a alternância de poder no Maranhão de forma constante e não apenas a cada 50 anos. É necessário que a Política (com "P" maiúsculo para remontar aos gregos) no Maranhão seja voltada para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida de uma população que padece de diversas doenças sociais há tempos, como a fome, a miséria, o analfabetismo, o desemprego, a falta de moradia, dentre inúmeras outras.

Não se prega aqui o fim do diálogo político, que sempre há de haver em se tratando de um país democrático, mas sim que os interesses do povo estejam acima dos interesses pessoais, que o desenvolvimento da população seja soberano em relação às intenções de perpetuação no poder, e que os projetos políticos estejam comprometidos a retirar o nosso Maranhão da posição incômoda de ser um dos piores Estados para se viver.

O povo tem nas mãos a oportunidade de aproveitar o momento histórico e político porque passa o Brasil e, também, o Maranhão para impedir que a coisa pública continue sendo tratada como bem privado pelos "donos do poder", para pôr fim, definitivamente, no protagonismo das oligarquias (e não apenas uma) e retirar dos grandes "figurões" da política, pertencentes às hordas dominantes e mais abastadas da sociedade, o controle do nosso Estado que, há tempos, é disputado e dominado como uma verdadeira "capitania hereditária".

12 comentários:

  1. Meu jovem, uma correção : Flávio Dino nem é parente de Antônio Dino, mas filho de Sálvio Dino, ex-deputado e ex-prefeito de João Lisboa. A Célia Dino, médica é que é filha do mesmo. O Dino do ex-governador é sobrenome e na família do Flávio é um anexo do nome.

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    1. O sobrenome "Dino" é de origem sírio-libanesa e nada comum no cenário político maranhense. Mas checarei suas informações, meu caro "anônimo" e, em caso de certeza, farei as devidas correções.
      Grato pela participação.

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  2. Ele filho de Salvio Dino ex prefeito de Joao Lisboa, municipio proximo a Imperatriz-Ma.

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    1. O equívoco já foi corrigido. Obrigado pela participação.

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  3. Outra correcao, Aderson Lago, nao era irmão do Jackson Lago, e sim primo, por sinal, passaram grande parte da vida publica brigados.

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    1. Realmente, Aderson Lago é primo de Jackson Lago. Equívoco já corrigido no texto do blog. Creio que a confusão de nomes se deva à própria confusão dos sobrenomes das elites dominantes e dos grupos familiares que controlam a política no Maranhão. :)

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  4. Familias de origem sirio-libanesas fora mais comuns na politica maranhense do que voce imagina.

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    1. Não disse que desconhecia a inserção de famílias de origem sírio-libanesa na política maranhense, e sim, afirmei a raridade do sobrenome "Dino" como forma de contrapor a versão do amigo "anônimo" de que Flávio Dino não teria relações de parentesco com Antônio Dino.
      Em breve, apresentarei alguns dados sobre famílias libanesas no Maranhão, em artigo oportuno a ser publicado aqui no blog.

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  5. o grupo que está ao lado de flávio é igual ou pior ao da oligarquia..é só lembrar o governo trairao zé e o jackson...maranhão vai continuar em péssimas mãos!

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    1. O problema dessas lutas intra-faccionais perpassa pela questão da falta de alternativas políticas viáveis para o Maranhão. Veja só, Jackson Lago foi prefeito de São Luís por três mandatos. Zé Reinaldo foi governador "rompido com a oligarquia" sem ter acrescentado nada de novo, de diferente ou de melhor para o desenvolvimento social e educacional do nosso Estado. Do lado de lá da Ponte de São Francisco nem se fala. De Sarney em 1966 a Roseana em 2013, o Maranhão continua hibernando em estado de letargia profunda.
      Porém, o agravante disso tudo é que a "oligarquia Sarney" sempre se serviu de membros da "oposição" para continuar governando por quase 50 anos o nosso sofrido Maranhão. O próprio Gurgel deixa isso claro. Prefeitos de "oposição" do PSDB, PSB, PDT e PCdoB (veja só!!!) "abandonaram Flávio e Jackson para apoiar a reeleição de Roseana".
      É preciso, urgentemente, reoxigenar a política maranhense, tirando o protagonismo das mãos das grandes figuras políticas, pertencentes às hordas dominantes e mais abastadas, para colocarmos representantes legítimos do povo, que lutem pelos interesses da população e estejam mais comprometidos na resolução das mazelas sociais que afetam o nosso Estado e transformam-no num dos piores lugares do Brasil para se viver.

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  6. Ou seja, no fim, nós maranhenses estamos fudidos de qualquer jeito...
    Mais para mim só o.fato.da Roseana ser punida,ta valendo...Nosso povo merece a derrota dela....

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    1. Sem dúvida, Regyna, é uma vitória a ser comemorada pela população maranhense que sofre com o desgoverno Roseana Sarney, haja vista os péssimos indicadores sociais de desenvolvimento no Maranhão, último em quase todos os quesitos do IDH, conforme revelou o IBGE baseado no censo de 2010. Levando-se em consideração que somente Roseana governou o Estado por quatro oportunidades, períodos que não apresentaram nenhuma melhora satisfatória e significativa dos mesmos índices, sua parcela de culpa não pode ser negligenciada de forma alguma.
      Espero que a partir dessa "derrota jurídica", caso ela venha de fato, o Maranhão possa respirar, definitivamente, ares democráticos com assegurada constância, e não apenas surtos de alternância política a cada 50 anos.

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Grato pela participação.