Apresento aos leitores do Blog do Hugo
Freitas um interessante artigo sobre os desafios do sistema político-partidário.
Em que pese o uso de alguns
"conceitos/categorias" como "centro, direita, esquerda,
centro-direita, centro-esquerda" que nada explicam para além de sua terminologia ideológica, o presente artigo oferece-nos uma significativa contribuição
reflexiva sobre o sistema de representação política no país e a perda de sua
legitimidade nos dias correntes.
Em tempos de surgimento de novos
partidos políticos e da expectativa de que outras siglas sejam criadas,
aumentando a "sopra de letrinhas" que é o sistema partidário
tupiniquim, com mais de 30 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral,
o artigo aponta para outras perspectivas que se, à primeira vista, podem causar
"estranheza" por sua aparente inaplicabilidade, por outro desperta
para o pensamento crítico de como superar uma estrutura jurídico-política-partidária que
mostra, constantemente, sinais de esgotamento e de ineficiência quanto à
representação dos interesses dos cidadãos.
Boa leitura!!!
A crise dos partidos e o fim do
monopólio da política*
**Por Aldo Fornazieri
A crise global da política, que é
também uma crise da política global, tem vários de seus aspectos relacionados à
crise dos partidos. A crise afeta os partidos de centro-direita, de centro e de
centro esquerda. Nas bordas dessa crise, nos últimos tempos, em alguns países,
houve um crescimento de partidos de extrema-direita e de esquerda radical. A
própria Grécia é exemplar nesse fenômeno: ao mesmo tempo em que o Syriza venceu
três eleições consecutivas, a extrema-direita do Aurora Dourada também cresceu.
Isto ocorre, em maior ou menor grau, também em outros países.
O surgimento de Partidos-Movimentos, a
exemplo do Syriza e do Podemos na Espanha, foi saudada pela intelectualidade de
esquerda como uma nova esperança de organização política mais aberta, menos
burocrática e mais propícia de encaminhar uma luta política anti-sistêmica no
plano global. Esses dois partidos, no entanto, são também expressão dos limites
que as novas organizações de esquerda padecem. Com três vitórias eleitorais –
uma no início do ano, o referendo sobre o acordo da dívida e a nova eleição que
reconduziu Alexis Tsipras novamente à condição de primeiro-ministro – o Syriza
não conseguiu fugir ao acordo atenuando, mas mesmo assim imposto pelo FMI, pelo
Banco Central Europeu e pela Alemanha. O Podemos está em processo de
desidratação eleitoral com a recuperação econômica da Espanha, que coloca o
conservador Partido Popular na liderança das intenções de votos, seguido pelo
tradicional PSOE, de centro-esquerda.
Os Partidos-Movimentos foram vistos
como organizações que saberiam combinar a democracia representativa com a democracia
direta em seu interior. Até agora, esta esperança não se confirmou. Embora, de
fato, tenham permitido uma maior participação de militantes, através de
reuniões abertas e de plataformas participativas, tanto o Podemos quanto o
Syriza não deixam de ser organizações bastante centralizadas. Convém lembrar o
vaticínio de Robert Michels que afirmou que o destino de todos os partidos é a
burocratização, a centralização e a oligarquização. O que se pode dizer até
agora é que os Partidos-Movimentos são rebentos ainda em formação da crise da
esquerda tradicional, que foi cooptada pelo sistema global e se corrompeu. Que
tipo de alternativa eles poderão constituir e se são viáveis ou não, são
questões ainda abertas.
O Fim do Monopólio Político e o
Monopólio da Representação
Do ponto de vista mais geral, a crise
dos partidos se relaciona a dois fenômenos. O primeiro diz respeito ao fato de
que os partidos, tal como os sistemas democráticos onde atuam, foram capturados
pelo grande capital. Essa captura tem vários aspectos, destacando-se: aumento
do poder de barganha e de chantagem das empresas em face dos trabalhadores, dos
partidos e dos Estados por conta da mobilidade do capital conferida pelas novas
tecnologias; limitação do poder dos governos em face do aumento do poder dos
mercados; submissão dos partidos aos ditames do capital através do sistema de
financiamento privado-publico, o que os têm levado a uma autarquização e
estatização crescentes.
Mas um dos problemas mais relevantes
para analisar a crise dos partidos, que é uma crise de legitimidade junto aos
eleitores por não se reconhecem nos eleitos, diz respeito ao fim do monopólio
do discurso político que eles sustentavam por décadas. A perda do monopólio do
discurso político se deve ao surgimento daquilo que alguns especialistas chamam
de democracia monitória: o surgimento de milhares de instituições e
organizações de natureza política, cultural, social e econômica que monitoram e
criticam o comportamento dos políticos, dos partidos, dos governos e das
instituições representativas. O monitoramento e as críticas desnudam o caráter
manipulador do sistema político, os seus equívocos, a sua corrupção e a sua
incompetência.
Com isso, os partidos e o sistema
político como um todo perdem legitimidade junto à sociedade que, com frequência
crescente, passa a assumir um discurso antipolítico ou a votar nas novas
agremiações de extrema direita e de esquerda radical que fazem críticas duras
aos partidos tradicionais. As redes sociais, que deram voz ampliada a
indivíduos e grupos, contribuíram para agravar a perda do monopólio do discurso
político.
Mas há um paradoxo em tudo isto:
porquanto os partidos e os políticos perderam o monopólio do discurso político,
eles mantêm o monopólio da representação política legal nas democracias. As
sociedades mantêm-se prisioneiras desse paradoxo: por um lado, um profundo
desencantamento com os partidos e a sua rejeição e, por outro, ela, de alguma
forma ou de outra, precisa votar em atores e no sistema que rejeita.
Para sair desse impasse, muitos
estudiosos propõem a quebra do monopólio da representação política dos
partidos, permitindo que movimentos sociais e outros agrupamentos possam lançar
candidaturas avulsas, candidaturas não partidárias. As candidaturas avulsas já
são uma realidade em vários países e o argumento é que elas exercem uma ação de
moderação e de temperamento à conduta dos partidos e dos políticos. Mas não
existem ainda estudos significativos que mostrem os impactos que elas exercem
sobre os partidos. Nem mesmo se elas melhoraram o sistema de representação,
conferindo-lhe uma nova qualidade.
A adoção de candidaturas avulsas,
certamente é controversa e envolve riscos. Um dos argumentos que se opõe a esta
tese é o de que elas provocariam um enfraquecimento ainda maior dos partidos
políticos. O surgimento de oportunistas e carreiristas e uma maior fragmentação
do sistema político seriam outros riscos. O fato é que todas essas mazelas
estão aí sem a existência de candidaturas avulsas. Se elas viessem a ser
adotadas no Brasil, certamente, requerer-se-ia uma regulamentação para evitar
algumas das mazelas apontadas.
Ademais, a implantação de candidaturas
avulsas em nosso país requer uma mudança constitucional. Dificilmente aqueles
que detêm o monopólio da representação política votariam pela quebra do mesmo.
Esse é mais um dos becos sem saída da política brasileira: ao mesmo tempo em
que os partidos e os políticos não são capazes e não querem realizar uma reforma
política que melhore e modernize o sistema representativo, também não estão
dispostos a abrir janelas pelas quais a sociedade possa exercer um maior
controle e uma maior regulação sobre eles. A democracia brasileira tende a
perdurar nesta interminável agonia, na qual ela está meia morta e meia viva.
Neste desalento, os avanços econômicos, sociais e políticos são sucedidos por
retrocessos, num doloroso espetáculo que parece não ter fim.
*Artigo publicado originalmente no portal GGN, em 02/11/2015.
**Professor da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo.
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