A Caixa Econômica Federal, um banco público que administra R$ 400 bilhões e 70% dos empréstimos imobiliários do Brasil, é um transatlântico que, apesar das dimensões colossais, navega vulnerável às mais suaves brisas políticas. Ventos que sopram fracos do Palácio do Planalto costumam chegar à Caixa como fortes tempestades. Essa fragilidade decorre de outra: o governo manda nos investimentos do banco. A mistura entre muito dinheiro e muito poder político produz resultados financeiros questionáveis e escândalos ocasionais – além de solavancos que alteram os nomes dos executivos da Caixa conforme a maré. Recentemente, mais uma dessas tempestades se abateu sobre o banco.
Houve mudanças em sete dos 12 cargos de chefia da Caixa. A antiga presidente, Maria Fernanda Coelho, pediu demissão após a quebra do PanAmericano, o banco do empresário Silvio Santos, de que a Caixa se tornara sócia. Ela era contra a operação, uma transação com características políticas, feita de cima para baixo. Todos os diretores contrários a esse negócio saíram. Mudaram-se os nomes, às vezes mudam-se as nomenclaturas dos cargos. O que não muda, porém, é a influência do PMDB no banco. Hoje, essa influência personifica-se em Fábio Lenza, o discreto vice-presidente de Pessoa Física da Caixa.
Lenza cuida das operações com cartões de crédito, mas já passou por outros cargos de chefia. É funcionário de carreira da Caixa, uma carreira que deslanchou no começo do governo Lula, graças, de acordo com executivos do banco, a um empurrãozinho especial: a família de Lenza tem ligações com a família do presidente do Senado, José Sarney. Olga, irmã de Fábio, é secretária de Educação do Maranhão, no governo Roseana Sarney. Uma sobrinha de Fábio está empregada no gabinete do senador João Alberto, aliado de Sarney, também do PMDB do Maranhão. E a mulher de Lenza é gerente de relações parlamentares da Caixa. Por meio de sua assessoria, o senador Sarney afirmou que conhece Lenza há mais de 20 anos, mas disse que ambos mantêm apenas uma “relação superficial”.
Assim que se tornou vice-presidente de Negócios da Caixa, em 2003, Lenza deu início a uma veloz e próspera trajetória como empresário. Depois de poucos anos à frente de uma das áreas mais rentáveis do banco, Lenza levantou R$ 2,3 milhões de capital para abrir duas incorporadoras, s que estão em nome dele e de sua família, e comprou 460 hectares em fazendas no entorno de Brasília. ÉPOCA foi à sede das empresas, a Titeus e a Zatto, em Luziânia, no Estado de Goiás. Lá não havia indícios de atividades empresariais. No endereço, funciona um escritório de contabilidade. Um funcionário confirmou que as empresas têm sede naquele local apenas por “questões contábeis”. Numa das fazendas de Lenza, a Manga Velha, um capataz confirma que “Seu Fábio” é o dono das terras. À Receita, Lenza informou que cria gado e cultiva milho nas fazendas.
Numa investigação recente, a Polícia Federal acusou Lenza de envolvimento em um esquema de “tráfico de influência” em várias áreas do governo. De acordo com a PF, esse esquema seria liderado por Fernando Sarney, filho do presidente do Senado. Os policiais afirmam que Lenza teria mantido, em março de 2008, uma reunião com a incorporadora Abyara na casa do senador José Sarney, em Brasília.
Nessa reunião, Lenza teria sido, segundo a acusação, orientado por Fernando Sarney a ajudar a Abyara a conseguir um empréstimo da Caixa em condições vantajosas. Não se sabe se a Abyara conseguiu o que queria, mas a empresa depositara, meses antes, R$ 2,4 milhões na conta pessoal de uma filha de Fernando Sarney. Por meio de sua assessoria, o senador Sarney afirmou desconhecer a reunião em sua casa, assim como as acusações dos investigadores nesse caso. O advogado Eduardo Ferrão, que defende Fernando Sarney, disse que não se manifestaria porque a investigação da PF corre sob segredo de Justiça.
Há mais coisas que não se sabem sobre a performance de Lenza na Caixa. Foi sob seu comando que se arquitetou uma operação suspeita, pela qual a Caixa abdicou, em 2007, de receber centenas de milhões de reais em créditos comprados dez anos antes, no âmbito do saneamento do sistema financeiro promovido no governo Fernando Henrique Cardoso.
ÉPOCA obteve cópia de um contrato secreto assinado entre a Caixa, o banco Santander e o grupo Bozano, que está nos cofres do banco estatal. O documento, qualificado de “instrumento particular”, tem dez páginas e nenhuma semelhança com a formatação dos papéis oficiais do banco. Não há cabeçalho nem registro em cartório. Nele, a Caixa abre mão de receber dinheiro que lhe era devido e dá como quitada uma dívida antes reconhecida. Em troca, recebe novos créditos, que, de acordo com executivos do banco, dificilmente serão cobrados.
O dinheiro devido à Caixa somava R$ 1,9 bilhão. Eram créditos comprados do banco gaúcho Meridional, estatizado no governo Sarney e privatizado no governo FHC. Em 1997, o Meridional dava prejuízo. O governo, em vez de investir dinheiro do Tesouro para saneá-lo antes da privatização, resolveu primeiro que a Caixa compraria os créditos do banco, com um empréstimo do Banco Central.
Isso aconteceu porque o Meridional também detinha créditos bons, que poderiam depois ser cobrados e gerar recursos para os cofres públicos. A Caixa fechou o contrato de compra com o Meridional e, com isso, saneou o banco. Em seguida, o controle do Meridional foi vendido ao grupo Bozano por R$ 265 milhões. Não havia a expectativa, é claro, de que seria possível recuperar todo o R$ 1,9 bilhão. Mas o Bozano se comprometeu a devolver à Caixa o que conseguisse cobrar das dívidas antigas. Em 2000, o Bozano foi comprado pelo banco Santander, que herdou todas as suas obrigações.
Ao longo de todo o período, foi difícil para a Caixa reaver o dinheiro – mesmo naqueles casos em que a dívida era paga, e sobretudo a partir do governo Lula, quando Lenza assumiu o setor que cuidava do caso (leia o quadro). Procurados, o grupo Bozano, o Santander e a Caixa negaram quaisquer irregularidades na transação. “O Bozano não se apropriou de crédito algum indevidamente”, disse Luiz Fernando de Freitas, diretor jurídico da Companhia Bozano. “Prestávamos conta das nossas atividades todos os meses e com muito rigor.”
Executivos do Santander afirmaram que a Caixa se recusava sistematicamente a aceitar os créditos – não sabem por quê. O Santander disse que repassou todos os créditos devidos à Caixa; o restante, informou o Santander, caberia ao grupo Bozano. A Caixa se manifestou por meio de nota: “A Caixa esclarece que parte desses créditos (do Meridional) foi rejeitada pela Caixa por não atender aos requisitos da cessão.Tal pendência foi solucionada com o contrato firmado em 2007 e aditado em 2008, onde os créditos rejeitados foram substituídos por outros com as características exigidas pela Caixa. A Caixa informa que as medidas adotadas foram de conhecimento da Secretaria do Tesouro Nacional”.
Apesar da complexidade financeira do assunto, e descontados os desencontros entre as versões, resta a suspeita de que a Caixa tenha perdido dinheiro na história. Em 1997, perdeu mais dinheiro que o necessário ao não estabelecer exatamente quanto poderia receber de volta do Meridional – e ao aceitar pagar uma taxa que, de acordo com executivos do banco, seria excessiva pela administração da carteira. Perdeu dinheiro também no meio do caminho, sob a gestão de Lenza, ao se recusar constantemente a receber créditos bons. Perdeu dinheiro, sobretudo, com o contrato secreto de 2007, pelo qual não só abdica de receber o que lhe era devido, como também aquilo que já reconhecera como dívida possível de cobrar. Procurado por ÉPOCA, Lenza não quis se pronunciar.
Pelo último parágrafo, parece que esse Lenza fez voto de pobreza, kkkkkk!
ResponderExcluirAbração,
Christian Burle
Obrigado pela participação, Christian.
ResponderExcluirSem dúvida, parece que é isso mesmo...kkkkkkk
No Maranhão, as coisas andam assim: a um passo do abismo e anos-luz de um "final feliz".
Fico feliz que tenha participado, meu amigo. Aguardo novos comentários. Afinal, este espaço é nosso. Abraços fraternos.
Hugo Freitas
PARABÉNS PELO BLOG E PELA DIVULGAÇÃO, MTO BOM.
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