A mineradora ignora o fato de crianças e adolescentes embarcarem clandestinamente em seus trens de carga ou passageiros. O Ministério Público moveu uma Ação Civil Pública com multa de 20mil reais por cada criança encontrada no trem. O problema é recorrente e acontece há mais de dez anos.
O Ministério Público Estadual do Maranhão (MPE) moveu uma Ação Civil Pública contra a Vale em decorrência do desrespeito da mineradora às leis do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O promotor de Justiça Joaquim Ribeiro de Souza Júnior, responsável pela comarca judicial de Santa Luzia (MA), que propôs a ação, alega que a empresa ignora “o fato de crianças e adolescentes embarcarem clandestinamente em seus trens de carga ou passageiros”.
Segundo o promotor, essas crianças e adolescentes estão “desacompanhados dos pais ou responsáveis e sem autorização judicial, com violação ao disposto nos artigos 83, 84 e 85 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente)”.
Júnior salienta que “além de ignorar o caso, a empresa não adota qualquer medida de vigilância para que este embarque clandestino não aconteça”.
Por isso, a Ação Civil Pública foi deferida com pedido de liminar que multa a empresa em vinte mil reais por cada criança entregue aos conselhos tutelares de Santa Luzia e da cidade vizinha, Alto Alegre do Pindaré.
“Já tivemos dois casos, depois da instauração do processo contra a Vale, por isso a empresa já está sendo multada no valor de quarenta mil reais”.
Por todo Estado
Junior diz que resolveu entrar com a ação contra a Vale pela movimentação intensa de crianças e adolescentes entregues pela mineradora, sobretudo, no conselho tutelar de Alto Alegre do Pindaré.
“A única medida tomada pela mineradora era pagar o custeio da volta desses meninos e meninas para casa, isso é muito pouco diante do problema”, reclama o promotor.
O problema é recorrente nos diversos municípios cortados pela EFC: “Recebemos muitas crianças e adolescentes encontradas no trem; nós queremos algo que responsabilize a Vale, pois esses meninos e meninas, quando não resgatados pelos conselhos tutelares, passam a viver pelas ruas, com sérios riscos de se transformarem em adultos em situação de rua, vivendo de maneira degradante”, cobra a conselheira tutelar de São Luis (MA), Rose Nogueira.
Em Buriticupu (MA), a Coordenadora do Conselho Tutelar do município, Ivonete de Matos dos Santos, revela que uma das táticas da empresa para minimizar o problema é “doar para os fundos dos conselhos dinheiro para construção de casas de passagens (para as crianças e adolescentes encontrados no trem dormirem de uma noite para outra) calando muitos conselheiros que acham que essa solução nefasta resolve a questão”.
Junior acrescenta: “isso fere o ECA novamente e traz prejuízos a esses meninos e meninas, pois se não podem embarcar desacompanhados, tampouco podem ficar longe de casa por dois, três dias, perdendo aula e longe dos pais”.
Por enquanto a Ação Civil Pública com Pedido de Liminar só vale para Santa Luzia e Alto Alegre do Pindaré, ambas pertencente à 2ª Promotoria de Santa Luzia. “Mas já há articulação do MPE para que ela seja abrangida para todo estado maranhense”, revela Júnior.
A culpa é de quem?
Segundo Nogueira, o problema dos meninos do trem não é de hoje, “isso vem ocorrendo há uns dez anos”.
A 26 ª Vara da Infância e Juventude de São Luis vem acompanhado o problema mais de perto desde 2005, através do Promotor de Justiça Márcio Tadeu Silva: “desde então foram tentadas algumas possibilidades de acordo com a Vale para assumir seus compromissos, mas nada adiantou”.
Silva ressalta que nos diálogos com a mineradora “expusemos diversas vezes que a ferrovia está sob concessão da Vale, cedida por contrato do poder público e por isso ela é responsável sobre a questão de segurança da linha férrea, isso está no contrato”.
Não obtendo resposta pela Vale para sanar a situação, Silva recorreu à Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT). “Na ANTT eles me falaram que a Vale estava certa nos seus procedimentos de segurança; assim como a própria mineradora, a agência colocou a culpa nas crianças”, lamenta o promotor da vara de São Luis.
Para Júnior é uma exigência simples: “eu não estou pedindo nada além de cumprir a lei, acho estranho a Vale recorrer no Tribunal de Justiça contra essa ação na tentativa de achar outros culpados, é só ela respeitar o ECA, mais nada”, conclui.
O “jeito Vale” de atuar
Os “meninos do trem”, assim como foi batizado o problema, são crianças e adolescentes que entram sem serem percebidas nas estações e se escondem nos vagões de passageiros ou de minério que vai para São Luis. “São crianças que sofrem maus tratos em casa ou passam por algum tipo de dificuldade financeira e vão para a capital maranhense, geralmente para se prostituírem ou mendigarem”, explica Ivonete.
Entregues ao conselho tutelar de São Luis por funcionários da Vale, dois meninos e duas meninas entre dez e quatorze anos, que desembarcaram na ultima estação da EFC, na comunidade de Anjo da Guarda, revelam como a Vale interage com a situação.
Os relatos, que foram gravados em vídeo, contam sobre a abordagem que sofreram por funcionários da mineradora na estação: “o carro da Vale veio e a gente correu para dentro do mato, ai eles pararam e desceram do carro e correram atrás da gente com arma na mão, aí um guarda disse: não corre, eu vou atirar”.
Com medo, o adolescente relata no vídeo que todos voltaram: “ai eles pegaram nós, botaram no chão, na pedra. Aí pegou um pau e começou a dar lapada, deu primeiro nela, (aponta para a menina ao seu lado) deu uma nas costelas do outro e deu uma aqui em mim”, revela.
O guarda da estação ainda teria dito, segundo o adolescente: “rapaz eu tenho três balas, é uma para cada um”.
Os meninos e as meninas dizem que não é a primeira vez que adentram os vagões da Vale sem serem percebidos; pelo relato deles, não existe nenhuma fiscalização ou medida que impeça esse acesso às cargas de minério.
Fonte: Justiça nos Trilhos
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